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Roteiro fraco de "Livre Para Voar" é salvo por boas interpretações
Nada mais difícil para um filme cuja trama é calcada na doença de seu protagonista do que fugir das situações estereotipadas, que desaguam nas lágrimas baratas do dramalhão. Livre Para Voar consegue, até certo ponto, escapar dessa armadilha graças ao talento de seu elenco, encabeçado por Helena Bonham Carter e Kenneth Branagh.
Com direção de Paul Greengrass, a história gira em torno de dois outsiders.
Um deles é Richard (Branagh), personagem apresentado de maneira um tanto confusa: incapaz de lidar com as solicitações da vida adulta, ele resolve saltar do alto do prédio no qual sua namorada trabalha acoplado a uma asa delta feita de sucata. O outro outsider é Jane (Bonham Carter), vítima de uma doença que irá paralisá-la progressivamente até matá-la.
Os dois se encontram quando Richard é condenado a prestar serviços comunitários por conta de sua malfadada tentativa de voar no centro de Londres. Ao cumprir a sentença, no interior do País de Gales, ele acaba sendo obrigado a tomar conta da rebelde Jane, que, presa a uma cadeira-de-rodas, esforça-se ao máximo para dificultar-lhe a vida.
Previsivelmente, o estranhamento inicial transforma-se na intensa ligação emocional que não raro surge entre dois seres que se reconhecem à margem da vida. Richard ainda aferra-se à mania de voar - ele agora constrói um ridículo aeroplano de sucata. E envolve-se cada vez mais com Jane, que está com os dias contados e lhe pede ajuda para realizar o desejo que a obceca: perder a virgindade.
Os dois, então, viajam a Londres, dispostos a contratar um garoto de programa para desencumbir-se da tarefa - sem dúvida o melhor momento do filme. A caracterização de Helena Bonham Carter é perfeita. Para retratar uma portadora de Doença Motor Neurone (MND) - que destrói os nervos responsáveis pelo controle muscular, mas sem afetar o cérebro - a atriz pesquisou a fundo o papel, chegando a usar placas de metal na boca a fim de reproduzir as alterações na fala provocadas pela enfermidade.
Até aqui, a cortante e inteligente ironia de Jane conseguiu evitar que a trama resvalasse para a pieguice. Por isso mesmo, quando seu personagem muda de tom - o que ocorre depois do episódio com o garoto de programa - o filme perde o ritmo.
O foco deixa de ser a delicada teia de contradições que é a relação entre os dois personagens e se volta para o aeroplano de sucata. O roteirista (Richard Hawkins) acaba de lembrar-se que seu objetivo era usar o tal trambolho como uma metáfora para a superação dos obstáculos etc. etc., e é hora de trazê-lo de volta antes que o filme acabe.
Entre as muitas possibilidades sugeridas, a escolha recai sobre a mais óbvia e lacrimosa. A engenhoca acaba decolando. O mesmo não se pode dizer do desfecho do filme.(Agência Estado)
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