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Tornatore
leva sedução às telas com "Malena"
É difícil ir contra a sedução
explícita que Giuseppe Tornatore impõe a Malena. Primeiro, o cenário
é o berço esplêndido onde o cineasta nasceu, a Sicília ensolarada e convidativa
ao "dolce far niente". Ali, num vilarejo à beira-mar, início
dos anos 40, vive Renato, o menino em vias de se tornar homem, em sua
própria definição, cujo símbolo de amadurecimento é a bicicleta usada
que ganha do pai.
Com ela, pode fazer parte da fechada confraria de imberbes que veste calça
comprida e adora comparar o tamanho de sua virilidade. Mas a máxima conquista
da nova fase só é apresentada a Renato numa das seqüências mais divertidas
da fita. Sentados lado a lado, os rapazes se põem a olhar o caminhar diário
da deusa local, Maddalena, ou Malena. Interpretada por Monica Belucci,
com traços de uma Isabelle Adjani italiana, ela será o amor eterno de
Renato. Esse é o quadro sedutor de um cineasta que se especializou em
puxar pela emoção do público, seja da forma mais direta e apelativa como
em Cinema Paradiso, seja com um tratamento mais sofisticado, restrito
mesmo, como no recente A Lenda do Pianista do Mar.
Todos se lembram do primeiro. Foi sucesso internacional e rendeu o Oscar
de filme estrangeiro a Tornatore. Depois vieram filmes irregulares, presentes
talvez para grandes atores como Marcello Mastroianni em Estamos Todos
Bem, o pai idoso que saía pela Itália em busca dos filhos. Títulos
bons mesmo, como a deliciosa homenagem ao cinema em O Homem das Estrelas.
Também intrigantes e sombrios, como na história extraída do romance de
Alessandro Baricco sobre o rapaz que nasce e cresce no navio, se torna
um pianista e se recusa a pisar em terra firme.
Metáforas
não faltam nessa lenda, mas possivelmente os espectadores ficaram desapontados
com a falta do recurso melodramático que tanto acompanha o diretor. Crianças,
memória, cinema, a Sicília. É uma repetição que pode incomodar. Mas é
o universo predileto de Tornatore e ele não faz questão de enterrá-lo.
Vez por outra, como em Uma Simples Formalidade e A Lenda...,
esse mundo pode estar disfarçado. Mas nele também está a fábula, a fantasia,
para a qual ele volta agora numa mais que reconhecível novela da descoberta
por um garoto da sexualidade e do amor - devidamente gasto em ataques
de onanismo, quando não priápicos - mote também para um painel histórico
em transformação. No dia da descoberta de Malena, Renato (Giuseppe Sulfaro)
ouve Mussolini declarar guerra às forças aliadas.
Mas não está nem aí para o fato. Só quer rever Malena e a segue por todos
os lados, montado em sua bicicleta. Mais tarde, graças a esse fetiche
voyeurista, Renato será o pivô da redenção da moça, num gesto que talvez
finalmente o identifique como um homem. E ela quer ser vista. Nos passeios
diários que faz, entre sua casa e a do pai, o velho professor local,
Malena incendeia os olhares masculinos e esses atiçam o desejo. Sabem
que o marido da beldade está no front, lutando pela causa fascista. A
beleza fulgurante cria problemas familiares e Malena logo é levada a julgamento.
A cidade a isola, depois da descoberta que sua cama é muito freqüentada.
Chega a notícia da morte do marido. Para não morrer de fome, Malena se
prostitui.
Seus clientes são os nazistas. O castigo é um dos mais dolorosos do cinema
contemporâneo. Dói na alma ver a moça desfigurada em praça pública. Todo
a glória e agonia de Renato é contada em flashback, a memória tão cara
a Tornatore. Há um acerto de beleza e poesia em nunca deixar que o pequeno
herói e sua musa se encontrem, se toquem, a não ser quando a magia já
está praticamente dissolvida. Vale a pena guardar em segredo o momento
da volta por cima de Malena. Mas é justamente por manter um ritmo cadenciado
e os passos tão óbvios da história que Tornatore perde a chance de surpreender,
de ganhar além do sonho idealizado do garoto, que no mais já faz parte
do imaginário do público.
Como
fez com o personagem de Sergio Castellitto em O Homem das Estrelas,
um retrato inspirado do homem que logra sonhos ao mentir que faz cinema
e desperta sentimentos ambíguos no espectador, ao apoiar ou não seu meio
de sobrevivência. Fellini por certo daria um tratamento mais aprofundado
ao tema, e assim o fez em muitas de suas histórias semelhantes. Tornatore
talvez só tenha a ambição de recriar um cinema de culto em seu país, das
comédias de amor e fantasia, das divas lutadoras como Sophia Loren, Gina
Lollobrigida, Ana Magnani.
Sua Monica Belucci é um tributo a todas elas e não faz nem um pouco mal
às pupilas assistir a uma hora e meia de performance da deusa morena.
É evidente essa proposta quando mais uma vez Tornatore usa suas próprias
referências cinéfilas, transferindo-as a Renato
em seus delírios como Tarzan ou John Wayne no clássico Nos Tempos da
Diligência e possibilitando seu desejo de heroísmo. E ninguém passa
incólume a um filme bonito no visual, embalado na trilha melosa de Ennio
Morricone. Não é para meios-termos. Se gostar, seduzido está.(Orlando
Margarido - Investnes/ Gazeta Meracantil)
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