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Em "O Hotel de um Milhão de Dólares" Wenders retorna ao universo americano
Todo mundo caiu de pau em cima desse 20º longa-metragem de Wim Wenders. O Hotel de Um Milhão de Dólares, saído de uma idéia do roqueiro Bono Vox, do grupo U2, ganhou um Urso de Prata no Festival de Berlim deste ano, mas foi estigmatizado pela crítica.
É um retorno do alemão Wenders ao universo norte-americano, depois do excelente Paris, Texas e do nada interessante Hammett.
Desta vez, ele ambienta a sua história num hotel, que foi de luxo nos anos 30 e caiu no lixo nos 90 - lá, vive uma fauna de marginais de toda a espécie, desempregados, prostitutas, bandidos, artistas inéditos, pobres-diabos. Todo mundo que fica sempre à margem de qualquer milagre econômico, em qualquer latitude do mundo.
Nesse ambiente, mora um artista plástico, filho de boa família, que aparece morto. Caiu da sacada do prédio. Caiu ou foi jogado?
Suspeita-se de homicídio e um agente do FBI (Mel Gibson, co-produtor do projeto) entra na jogada para tentar desvendar o mistério. A figura de Gibson harmoniza-se (se o verbo cabe) com aquilo que o cerca. Trata-se de um tipo estranho com a espinha enrijecida por um aparelho ortopédico. Como se Wenders, depois do banho de loja existencial de Buena Vista Social Club, tivesse resolvido entrar no universo de desespero de um David Cronenberg, por exemplo.
Tudo, em O Hotel de Um Milhão de Dólares, é estranho. Da situação central aos personagens secundários, e destes, aos protagonistas. Esses são, além de Gibson, um louquinho manso (Jeremy Davis, que parece um Johnny Depp para o ano 2000) e uma prostituta de bom coração (Mila Jovovich, ex-senhora Luc Besson e atriz da ficção científica O Quinto Elemento e uma versão techno de Joana d'Arc). Esse bizarro par romântico convive, no prédio, com seres extravagantes, como um roqueiro que garante ter sido criador das músicas dos Beatles embora nunca lhe tenham dado crédito.
A trama noir, a história de mistério a ser desvendada, não passa de um divertissement pouco elegante e nada trabalhado. Em uma palavra: é o que menos interessa no filme. Importa, mesmo é o estilo de filmagem empregado, meio rococó, meio futurista - aquela mistura usada às vezes em obras tidas como "faróis" como Blade Runner - o Caçador de Andróides, de Ridley Scott ou estéreis, como alguns trabalhos dos neopublicitários franceses Caro e Jeunet, por exemplo.
Mas, ao contrário destes, Wenders humaniza seus personagens estilosos, que vivem nessa sordidez também estilizada.
Como num quadro hiper-realista, joga com o excesso de definição para criar uma sensação de ambigüidade. Que a ternura possa florescer nesse ambiente de alta extravagância, é um trunfo de Wenders, talvez um dos poucos que ele tenha a oferecer nesse novo trabalho, que, aliás, precisa ser visto com certa despretensão para ser devidamente apreciado. Porque há, de fato, um certo encanto multiculturalista na mescla de personagens, na estetização da periferia do sistema e dos seus desvalidos.
Não se iluda o espectador - Wenders pode mudar de registro, mas está sempre de olho no mal-estar contemporâneo, no absurdo da sociedade consumista e competitiva (que tanta gente acha "normal", apesar de produzir infelicidade e malucos em penca), no vazio existencial.
Sua ternura fica com os deserdados e, em seu caso, com aqueles que moram no Primeiro Mundo sem dele participar. O Hotel de Um Milhão de Dólares pretende dar um tapa na cara do capitalismo triunfante como um iconoclasta quebra a estatueta de um deus indiferente. Se consegue efetivamente se transformar nessa peça ideológica de combate é matéria para discussão, mas está longe de ser um filme insípido. Pelo contrário. Apesar de suas limitações mais do que óbvias, deveria ser até mesmo valorizado no quadro de esterilidade atual.(Agência Estado)
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