|
Diretor
Jos Stelling mantém toque extravagante com bons personagens
O diretor holandês
Jos Stelling tem um estilo característico. Seus personagens ressaltam
aos olhos pela simpatia e extravagância contida, reservada aos "sujeitos"
do dia-a-dia. É assim em seu filme O Ilusionista, de 1984, e O
Homem da Linha, de 1985. O diretor parece não ter pressa para realizar
mais filmes, pois depois desses só lançou O Holandês Voador, em
1995, e o recente Nem Trens, Nem Aviões, que estréia neste final
de semana em São Paulo.
O
nonsense de Stelling, na verdade com um pé na realidade, está por toda
a parte em Nem Trens... A história se passa em um único local,
o Café Central. É um filme de um dia, que começa em uma manhã, com o personagem
Gerard arrumando e fechando sua casa, e termina no final da madrugada.
No café imaginado pelo diretor - que se baseou no romance Alegria Fraternal,
de Jean-Paul Franssen -, está a prostituta, o dono ranzinza do local com
sua bela filha, o sujeito pornô canalha, o garçom velhinho desajeitado,
o casal de meia idade, o 'quase' ceguinho com seu cachorro, o playboy
com negócios ilícitos e o personagem principal, Gerard.
Gerard chegou no café de malas prontas, distribuindo presentes. Diz que
vai viajar para a Itália - local que escolheu aleatoriamente, olhando
um cartaz turístico. É simpático e bonachão - o tipo que todos gostam,
mas que parece inoportuno em certas ocasiões. Como desfecho para chamar
atenção para si, revela a todos que é irmão do grande cantor 'italiano'
Mário Russo, que não vê há 20 anos. Os presentes não resistem e só acreditam
quando convencem Russo, pelo telefone, a visitar o irmão supostamente
enfermo.
Stelling
desenha bem seus personagens por tramas aparentemente tolas. O filme trata
do individualismo, do "cuide de si e não me incomode". A relação de Gerard
com o irmão é obviamente simbólica dessa visão típica do final dos anos
90. Nos estereótipos dos personagens vive o desprezo pelo outro, cada
um com suas nuances. O cafajeste pornô que canta vergonhosamente todo
mundo, sem se importar com a privacidade e o respeito pelo outro; o playboy
durão que chora ao ser surrado por seus clientes 'mafiosos'. É claro que
com o desenrolar da história percebe-se o resto de humanidade que reside
em cada um, escondida, esperando por momentos extremos.
Para quem quer conhecer o cinema de Stelling, vale recorrer primeiro ao
Ilusionista, disponível em vídeo e melhor que Nem Trens, Nem
Aviões. Apesar de ser um filme que talvez entediasse pelo argumento,
Nem Trens... consegue segurar o interesse pela curiosidade de seus
personagens. Todos ficam querendo saber o que vai acontecer com Gerard
- talvez esperando que o 'bonachão' chegue ao limite de sua humilhação
ou algo parecido. Mas afinal talvez seja esta a idéia: testar o
individualismo em cada espectador sentado na platéia do cinema.
Ricardo
Deli Ivanov
Redação Terra
|