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"Beautiful People" ironiza o preconceito e revela o mal-estar de uma Europa esfacelada
"Beautiful People". Ninguém, claro, precisa mais traduzir a expressão. Como título do filme de Jasmin Dizdar, tem valor de ironia, o que também é óbvio. Refere-se à gente fina que se dispersou pela Europa nos últimos anos. De onde eles vêm? Dos países que saíram de décadas de comunismo e ainda não se habituaram ao paraíso da economia de mercado. Vêm de toda parte e também da ex-Iugoslávia, que se esfacelou em várias nações. Vêm da fome e da guerra e acorrem aos países ricos.
No caso de "Beautiful People", são representados por um bósnio e um sérvio, que foram amigos e agora viraram inimigos de morte, e se reecontram na rua, em Londres, para acertas velhas contas.
Numa história paralela, há um grupo de amigos ingleses, hoolingans, que vão assistir a um jogo na Holanda, tomam todas a que têm direito e arrumam encrenca. Um deles, completamente chapado, acaba adormecendo na esteira de carga do aeroporto e vai parar nas imediações de Sarajevo, embarcado com medicamentos e cestas básicas. No front, aprenderá duas ou três coisinhas sobre vida e tolerância. E, para surpresa dos pais dele, dará um fim nobre à dose de heroína que levava consigo.
Jasmin Dizdar, diretor e roteirista, é bósnio, jovem (nasceu em 1971), e saiu do seu país em 1989. Vive na Inglaterra e naturalizou-se. Deve ter sofrido na pele toda a sorte de discriminações, o que procura exorcizar no filme. Por exemplo, em outra história paralela um refugiado, que mal sabe balbuciar algumas palavras em inglês, apaixona-se por uma moça da terra, é apresentado à família dela e enfrenta os preconceitos previsíveis.
São retratos de um mal-estar social, mas tirados de maneira menos esquemática do que se pode supor.
Isso porque Dizdar trabalha numa chave híbrida que se poderia chamar de drama cômico, ou comédia dramática - no caso a ordem dos fatores não alterando o produto. Quer dizer, fala de coisas muito sérias, mas em tom que começa para baixo e segue em direção a um nível solar, e vice-versa. Desse hibridismo nasce o encanto do filme. Pois é óbvio que com esse, digamos, recurso de estilo, Dizdar pretende ir além da mera denúncia. Quer rir, e mostrar os motivos dos que procuram outro país para viver, ironizando quem age movido pelo preconceito.
Enfim, é uma Europa nada higienizada essa que aparece em "Beautiful People". Por ele, vê-se que o sonho fascista da purificação étnica e cultural faliu. Não há como negar um mundo que se torna progressivamente multicultural e multirracial - e isso, apesar de bens e mercadorias circularem com liberdade crescente, enquanto as fronteiras físicas se fortalessem para impedir a passagem de pessoas. Mas em vão.
(Agência Estado)
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