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Em "Uma Relação Pornográfica" diretor dá roupa nova a um velho tema
Manhã de quarta no Brasil, 13h30 em Paris. Depois de caçar Frédéric Fonteyne em diversos telefones, a reportagem recebe o número do celular do diretor de Uma Relação Pornográfica. Ele está almoçando num restaurante 'trs sympa' (muito simpático) de Montmartre. Fala com carinho do filme (muito bom) que valeu a Nathalie Baye o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza do ano passado. E anuncia - "Estou aqui com Sergi (o ator Sergi Lopez, que divide a cena com Nathalie); se quiser, pode falar com ele, também."
Como recusar? Sergi recebeu, no sábado, o European Award como melhor ator europeu do ano. Venceu por Harry, Un Ami Qui Vous Veut du Bien, de Dominik Moll, que concorreu este ano em Cannes. Outros premiados do European Award 2000 foram Björk (melhor atriz) e Dançando no Escuro, de Lars Von Trier (melhor filme).
Ambos estão almoçando nesse restaurante particular de Montmartre porque, concluída a refeição, vão assistir, ali perto a uma sessão especial do novo filme de Manuel Poirier, diretor de Western, o filme que deu projeção a Sergi Lopez. "Desta vez, não é uma ficção, é um documentário sobre emigrantes que terminam vivendo na rua, sem-teto", diz Lopez. O título - De la Lumire Quand Même, que pode ser traduzido como Apesar de tudo, a Luz. Sergi Lopez é espanhol, nascido próximo a Barcelona. Fredéric Fonteyne é belga. Ambos são jovens, na faixa dos 30 anos.
Fonteyne admite que seu desafio, em Uma Relação Pornográfica, foi contar, de uma maneira nova, a mais conhecida história do mundo - boy meets girl. Um homem encontra uma mulher. Um não sabe nem o nome do outro. Vão direto para a cama, para viver suas fantasias sexuais. Uma relação pornográfica. Fonteyne conta que a origem do filme foi um caso de amor que não deu certo. "Acontece com todo mundo; aconteceu comigo e, como todo mundo, eu fiquei obcecado pela história, queria contá-la, discuti-la, entendê-la." Foi nesse contexto que ele foi ao Luna Park com seu amigo, o escritor Philippe Blasband.
"Estávamos andando na rua quando Philippe me contou a idéia de um romance que deveria se chamar "Uma Relação Pornográfica"; intrigado com o título, pedi que ele me contasse o enredo e, logo em seguida, decidi que, se ele estivesse de acordo, gostaria de filmá-lo." Em uma semana, não mais do que isso, Blasband lhe mostrou o primeiro esboço do roteiro. Aprofundaram algumas idéias, desenvolveram outras, mas a essência do filme já estava ali. "Quando li, me apaixonei." Fonteyne conta o que gosta nessa história ou por que gosta tanto dessa história.
"É uma verdadeira história de amor, sobre gente como você e eu." O espectador não fica nem sabendo o nome das figuras. É só ele e ela, um homem e uma mulher. "A idéia genial que todo roteirista tem ao acordar de madrugada e que anota para colocar em prática no dia seguinte - um homem ama uma mulher." E Fonteyne pergunta - "Quer idéia mais velha do que essa? E quer mais nova, já que é uma história que se repete há milênios, todo dia, toda hora, adquirindo características próprias que fazem com que cada história de amor seja diferente das outras?"
Fantasias - Há quase 30 anos, Peter Yates fez um filme sobre um homem e uma mulher que partem da ligação de uma noite para uma história mais duradoura. Dustin Hoffman e Mia Farrow são os atores. Também não sabem o nome um do outro, no filme. Só se identificam na última cena e, por isso, o filme chama-se John e Mary. Fonteyne não viu o filme, mas pede que o repórter repita o título, o nome do diretor, dos atores, da empresa produtora. Promete que vai procurá-lo. Mas explica por que o desenvolvimento e o desfecho da sua história são diferentes.
"Meus personagens são um homem e uma mulher que se encontram com uma finalidade bem precisa - querem fazer sexo, realizar uma fantasia, mas se apaixonam e o amor à primeira vista vai crescer durante os encontros." Isso é só parte da história. "Amo as pequenas diferenças, significativas ou não, que existem entre as histórias da mulher e do homem; amo a idéia de filmar três pontos de vista: o dela, o dele e aquilo que dizem as imagens." Três pontos de vista - "Eles falam, se revela, mas nem tudo o que dizem é verdadeiro; é, aliás, o que conduz o filme ao desfecho."
Para o espectador que vai ver o filme atraído pelo título, "Uma Relação Pornográfica" se arrisca a ser decepcionante. Se por pornografia se entende o sexo explícito (ou quase), não é de nada disso que se trata. "Filmo pessoas que fazem amor e conversam e é nesse sentido que a relação se torna pornográfica; é obscena porque é completamente íntima; e o sexo é tão importante como a palavra." Como diretor de cinema, Fonteyne acha que não se deve confiar completamente na imagem. Nem na palavra. "O importante, quase sempre, é o não dito, o pequeno silêncio entre as palavras."
Ele diz que o filme foi bem na França, mas poderia ter ido melhor. "As pessoas se intimidaram com o pornográfico do título." Acrescenta que o filme foi muito bem no exterior. Quer saber detalhes sobre o lançamento no Brasil. Se pudesse, iria a todos os lugares acompanhando o filme, mas, como diz, "ele não me pertence mais; é do público e eu espero que o público goste; foi feito com muito amor, muito empenho e dedicação". Não tinha nenhum ator em mente quando reelaborava o roteiro com Philippe Blasband. Mas acha que não conseguiria encontrar intérpretes melhores do que Lopez e Nathalie. "Queria muito trabalhar com ela, é fantástica." Ela, Fonteyne já sabia do que era capaz. Lopez foi uma magnífica surpresa. Ganhou mais do que um ator excelente - um amigo.
Três filmes - não foi preciso mais do que isso para fazer de Lopez um nome importante entre os atores do cinema francês atual. Western, Uma Relação Pornográfica e Harry. Ele diz que teve a sorte de fazer esses filmes. Amou o roteiro de "Relação", assim que Fonteyne lhe enviou uma cópia. Gostou tanto do de Harry, que se ofereceu para fazer não importa que papel. Moll chamou-o para um teste. Quis testá-lo no papel de Michel, o amigo a quem Harry quer bem. Michel é casado, leva uma vida acomodada, chega Harry e subverte essa paz doméstica, levando a narrativa até o assassinato. Lopez achava que poderia fazer Michel com competência. O diretor Moll convenceu-o de que seria melhor como Harry, o personagem 'do mal'.
Vai filmar de novo no ano que vem com Poirier. Enquanto isso, curte o sucesso que Harry vem lhe proporcionando. Quase não acreditou quando foi chamado ao palco para receber o European Award de melhor ator europeu do ano. Sabe que é um chavão repetido pelos atores quando dizem que o papel é 'um presente'. Mas não resiste ao chavão - Harry foi mesmo um presente de Domink Moll. Em Cannes muita gente apostava nele para o prêmio de melhor ator, afinal vencido por Tony Leung, por seu belíssimo desempenho no filme de Wong kar-wai, Amor à Flor da Pele. O European Award pode ser considerado a desforra de Lopez, mas ele não considera assim, até porque respeita demais o trabalho de Leung, num filme que adorou. Não há desforra para Lopez, apenas (e isso é muito) a satisfação de ter feito um trabalho de qualidade e ser reconhecido por ele. (Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)
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