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Fome de amor devora Romance
Filmes com cenas de sexo explícito permitiram a criação de um gênero cinematográfico quase sempre execrado pelos cinéfilos, mas que nunca deixa de despertar a curiosidade dos mais inquietos e afoitos. Hoje, títulos dos anos 70 como Garganta Profunda, Atrás da Porta Verde e O Diabo na Carne de Miss Jones são clássicos pornográficos que provavelmente serão objeto de teses universitárias no século 21.
Eventualmente, algum filme da Boca do Lixo paulista, assinado por Alfredo Sternheim ou Jean Garrett, poderá ter o mesmo destino.
Insatisfeita com a indiferença do marido, Marie procura experiências sexuais com outros homens
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Romance, de Catherine Breillat é um título do erotismo cinematográfico que já nasce clássico.
Cercado por um perfume de escândalo, como convém a filmes que abordam temas eróticos – veja-se o sucesso do brasileiro Um Copo de Cólera – Romance escora sua estrutura dramática na história de um casal jovem em que o homem se desinteressou pela mulher que o ama. Já na primeira cena do filme, um longo plano-seqüência mostra uma felação. Impassível, o homem deixa que a mulher se esforce por despertar seu interesse sexual.
Desde esse início, a diretora francesa Catherine Breillat joga com a possibilidade de uma cena falsa. Ou seja: o que se vê parece verdadeiro, assim como as porradas de Jean-Claude Van Damme ou as lágrimas de Julia Roberts. Tudo parece real, assim como todas as outras cenas de sexo que ocorrem depois e mostram uma mulher negligenciada em busca de sua satisfação sexual.
Diante da passividade do namorado, Paul (Sagamore Stevenin), Marie (Caroline Ducey) vai buscar nas ruas o seu parceiro. Romance chega, então ao momento mais esperado por aqueles que curtem filmes de sexo explícito. Num bar, a protagonista encontra um homem – personagem interpretado pelo italiano Rocco Siffredi, nome popular entre os apreciadores de produções do gênero – com quem encenará a mais comentada cena de sexo do filme. Quem se deu o trabalho de cronometrá-la marcou oito minutos de duração.
Enquanto a mulher filosofa sobre o amor – trata-se de um filme francês –, seu parceiro ativa sua potência sexual. Tudo é devidamente excitante, como nos filmes pornográficos, mas Catherine Breillat adiciona algo mais à cena.
E esse algo mais é o que faz a diferença de Romance. Breillat usa todos os elementos das produções eróticas – a protagonista se relaciona com um professor sadomasoquista e é currada por um desconhecido que lhe extorque dinheiro – para mostrar como um filme percorrendo um repertório de baixezas humanas pode se transformar em um retrato da condição feminina sem meias palavras. Ou meias imagens.
Para o final do filme, Breillat escolhe uma solução um tanto quanto romanesca. O fechamento da história, que inclui crime impune e sombria redenção, é inquietante e misterioso. Uma alta dose de poesia e um caprichoso tratamento visual na utilização do plano-seqüência dão a Romance um inusitado estilismo. Provocante e audacioso, o filme de Breillat é, desde já, um dos destaques da temporada de 1999.
(Tuio Becker/Agência RBS)
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