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Novo Kiarostami "O Vento nos Levará" estréia em São Paulo
Ele já foi chamado de "magnífico" na edição de capa que lhe dedicou a revista francesa "Cahiers du Cinéma", anos atrás. Não é preciso rezar na cartilha dos "Cahiers", que acabam de iniciar nova fase, cada vez mais discutível, para celebrar a grande arte de Abbas Kiarostami. É o maior cineasta do Irã e isso representa muito para o espectador que sabe que de lá vem hoje um dos melhores cinemas do mundo. Há um novo Kiarostami estreando nos cinemas da cidade. Depois de Gosto de Cereja, chega agora a vez de O Vento nos Levará. Depois da Palma de Ouro em Cannes, o prêmio do júri em Veneza.
Foi o que O Vento nos Levará recebeu no ano passado, pouco antes de integrar a programação da Mostra Internacional de Cinema São Paulo. Demorou um ano para o filme entrar em cartaz. A demora explica-se - "O Vento nos Levará" está sendo lançado pelo selo Filmes da Mostra e havia, para Leon Cakoff, o organizador do evento paulista, a expectativa de que o próprio Kiarostami viesse ao Brasil, não só para o lançamento do filme, mas também do livro de fotos que fez, descortinando as paisagenas iranianas.
Justamente a paisagem - O Vento nos Levará abre-se com um carro numa estrada. Uma tomada à distância. O diálogo que o espectador ouve é dissociado da imagem. Claro, são personagens que estão no carro, mas o espectador não os vê. Há aí nessa cena um elaborado trabalho de som. O próprio Kiarostami, analisando a cena, evocou o cinema de Robert Bresson, feito de associações de imagens e sons puros. De certa maneira, ele se assumiu como cria de Bresson, sendo oportuno assinalar que a outra estréia - O Buraco - assinada por Tsai Ming-liang, o cineasta de Taiwan que é chamada de "Bresson da Ásia".
No carro viaja um engenheiro. Dirige-se, com uma pequena equipe munida de câmera, para uma cidadezinha perdida nas montanhas do Curdistão. Vai para acompanhar um ritual funerário que só ocorrerá se houver um morto. Mais uma vez, como em Gosto de Cereja, Kisrostami fala de morte para celebrar a vida. Lá era a história de um homem que procura alguém para enterrar seu corpo, após a morte (ele quer se suicidar). Aqui, é a busca do tal ritual.
O engenheiro conhece um garoto que lhe serve de guia. Compra leite, freqüenta um café e sobe o morro sempre que precisa receber ligações em seu celular. O espectador começa rindo dessas cenas que mostram o protagonista em busca do melhor ponto para captar o sinal. Logo percebe que ali há um significado profundo. Há uma velha que está morrendo e outro homem que a gente não vê, mas ouve a voz. Ele faz uma escavação no cemitério local.
É um cinema metafísico, que busca a transcendência nas pequenas coisas. Não acontece quase nada e, no entanto, esse quase nada, como no filme de Sérgio Rezende, é tudo. Kiarostami diz que recusa um cinema que dê ao espectador uma só versão da realidade. Prefere oferecer várias interpretações possíveis, deixando o espectador livre para pensar e formular o sentido do seu filme. Por mais livre que o autor queira deixar o público, essa interpretação passa obrigatoriamente por cenas como a da ordenha da vaca, quando o engenheiro, recitando para a garota uma poesia, cita não só a frase que dá título ao filme como descobre o verdadeiro sentido de sua presença naquele lugar.(Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)
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