|
"Instituto de beleza Vênus" - palco da vida em filme francês
É um filme de sensibilidade feminina, mas que pode ser apreciado, sem medo, por qualquer machão ISO 9002. Instituto de Beleza Vênus (Vénus Beauté), dirigido por Tonie Marshall, é quase um teatro filmado, cujo palco de vida seria o instituto de beleza de que fala o título. É lá que as três garotas do elenco, três anjos da guarda da boa aparência alheia, vão contracenar e viver suas alegrias, tristezas e paixões.
Nathalie Baye interpreta Angle, quarentona, que gosta de casos fugazes e não quer se prender a ninguém. Até o dia em que um garotão, bonito e muito mais jovem do que ela, se apaixona e deseja um affair duradouro. Angle trabalha com a tímida Marie (Andrey Tatou) e a devoradora de homens Samantha (Mathilde Seigner).
São pequenas histórias, interpretadas por um bom elenco e dirigidas com discrição. Tudo é muito sutil e converge para um humanismo de fundo feminista. Tonie simplesmente assume que faz um cinema de mulheres. Coloca-se, como diretora, na função de discreta porta-voz de uma determinada maneira de ver o mundo. Ou seja, faz parte de uma corrente que se poderia chamar de pós-feminista: passada a fase enragée da queima de sutiãs, da hostilidade sistemática ao sexo oposto, percebe-se que é melhor viver em cooperação e igualdade de condições.
Mesmo que, como se sabe desde Adão e Eva, a convivência dos sexos não seja exatamente um refresco total. Negar esse conflito de base (estrutural, diriam os franceses) significa cair em algum tipo de idealização - quando não de mistificação. Não é por aí que se encaminha a diretora.
Sua protagonista, Angle, é a própria representação desse impasse. Gosta de homens o bastante para não poder prescindir deles, mas não o suficiente para escolher um entre tantos e viver apenas com ele. Quando Angle conhecer Antoine (Samuel Le Bihan) passará a ter de administrar justamente o conflito que deseja evitar. Entre os problemas que terá de enfrentar será uma namoradinha de Antoine, garota de 20 anos que não admite perder o amado para uma mulher de 40. A coisa parece engraçada no início, mas evolui depois para um enfrentamento mais sério, que pode desembocar em algo trágico. Enfim, Angle, com Antoine, herda toda uma série de problemas que queria ver longe de si, a começar pelo impulso incontrolável de sua parte e terminando por ciúmes perigosos vindos de outro lugar.
Mas há outra dimensão, mais interessante que esse fait divers amoroso, e que consiste na oposição entre a intimidade do salão e a rua. Entre a domesticidade daquele ambiente exclusivamente feminino (mesmo que haja fregueses homens no instituto) e o mundo externo, onde os conflitos eclodem, ninguém tem segurança e um caso de amor mal administrado pode comprometer uma vida de sossego.
Constrastes
Por isso é interessante o cenário, ostensivamente artificial, que separa esse templo de beleza da avenida onde se localiza. Parece um aquário, onde se movem aquelas criaturas maravilhosas, que cuidam da aparência dos outros mais do que das delas. Essa delicadeza de registro é um dos pontos mais notáveis do filme. O outro é que Tonie consegue uma homogeneidade na interpretação, só possível porque conta com um elenco heterogêneo, porém competente. Um ponto forte, por exemplo, é o contraste entre a sobriedade madura de Nathalie Baye e a impulsividade jovem da doidivanas Samantha.
Falta, no entanto, algum sentido de transcendência à linguagem escolhida por Tonie Marshall. Se, por um lado, a domesticidade nos torna íntimo das personagens, por outro, essa permanência no vôo baixo nos deixa apenas com as alegrias e os pequenos dramas dessas pessoas comuns, sem nada além. Podem-se fazer grandes obras a partir de pessoas normais, comuns, corriqueiras, que se encontram comumente nas ruas. Não é o caso. "Instituto de Beleza Vênus" fica no nível corriqueiro da narrativa que escolhe e não dá nenhum passo além. É despretensioso - adjetivo que pode ter conotação negativa ou positiva, dependendo do ângulo sob o qual é visto.(Luiz Zanin Oricchio/ Agência Estado)
|