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Em Vive l'Amour, por exemplo, os primeiros diálogos só vão acontecer depois de 15 ou 20 minutos. Nesse prólogo silencioso, sem o refresco da música de fundo, os três personagens principais se movem e começam a interagir. Hsiao-kang é um vendedor de urnas funerárias, tímido demais para dar certo na profissão, ou pelo menos é o que se depreende. Tem tendências suicidas e busca coragem para enfiar um canivete suíço nos pulsos. Mei-mei é uma corretora de imóveis que anda agitadamente para lá e para cá, não larga o celular, busca sexo e sofre. Linda como uma deusa, veste-se como manequim e parece infeliz como criança abandonada. Ah-rong é um desempregado que vende roupas usadas na rua e se vira como pode. Todos são jovens. Todos são tristes. Parecem desesperados, embora não haja nenhuma causa mais evidente para esse desespero. Desespero. É o tema de Ming-liang. Em seu O Rio, também já exibido no Brasil, coloca em cena uma situação esdrúxula. Um rapaz, contratado como figurante em uma filmagem, mergulha no rio poluído de Taipé. A partir de então, passa a sentir uma dor muito forte no pescoço. Peregrina de médico em médico, sem obter alívio. Ele e o pai freqüentam saunas gays, sem que um saiba dos hábitos do outro. O encontro dos dois é uma das cenas mais fortes, e constrangendoras, do cinema moderno. Na maneira de filmar, sempre o despojamento, como se o cineasta recusasse qualquer atenuante para aquilo que deseja mostrar. Em Vive l'Amour há também um paradoxal encontro amoroso. Um dos rapazes é heterossexual. Outro talvez seja homo, mas não sabe disso ainda. A garota fica entre eles. E será por intermédio dela que um se aproxima do outro. Realização por figura interposta, que pode parecer muitíssimo estranha para quem vê a vida com os olhos do senso comum, mas não surpreende nem um pouco quem conhece a complexidade do desejo humano. Esse desejo, em Ming-liang, jamais se expressa como alegria, mas sempre como angústia. São corpos tristes e em sofrimento que se unem e buscam um pouco de prazer. Iludem-se na fusão do sexo e depois voltam à solidão inicial, porque esta é a sua condição inarredável. Por isso, depois de uma noite de, digamos assim, amor, a personagem feminina dirige-se a um ponto afastado da cidade. Contempla Taipé amanhecendo e chora, por si mesma, pelos parceiros, pelo mundo. Chora por nós, com uma expressão que às vezes lembra Munch, o pintor que fixou para sempre numa tela o desespero contemporâneo.(Agência Estado)
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Título
Original: Aiqing Wansui |
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