TERRA

 


NotíciasEsportesDiversãoShoppingChatCentro de Comunicação
Almas GêmeasBuscaCartõesCidade VirtualEconomiaEducaçãoInformáticaMultimídia 


Brasil, Assine a TerraAnuncie na TerraClube TerraCentral do AssinanteAviso LegalPolítica de Privacidade
Cobertura Especial do 28o. Festival de Cinema de GramadoCobertura Especial do 28o. Festival de Cinema de GramadoCobertura Especial do 28o. Festival de Cinema de GramadoCobertura Especial do 28o. Festival de Cinema de Gramado
NOTÍCIAS | VÍDEOS | CHAT | GALERIA DE FOTOS | SERRA GAÚCHA | SITE OFICIAL  
"Estorvo" arranca aplausos da platéia em Gramado

Sexta, 04 de agosto de 2000, 12h02min
A programação da terceira noite competitiva do Festival de Gramado foi considerada interessante pelo público presente. O primeiro longa-metragem, Santitos, do mexicano Alejandro Springall, seduziu a platéia com seu tom levemente nostálgico e barroco. O segundo, Estorvo, de Ruy Guerra, não deixou de surpreender. Houve quem profetizasse uma debandada geral do público. Afinal, quando o filme (que não é nem um pouco fácil) começou a ser projetado já passavam das 23h30. Lá fora, um frio glacial havia descido sobre Gramado, convidando mais ao vinho, à fondue e à cama do que a uma árdua reflexão sobre a paranóia contemporânea. No entanto, boa parte da platéia ficou, assistiu ao trabalho de Ruy com respeito, e aplaudiu no final. Para quem estava acostumado a associar Gramado a futilidade, essa reação não deixa de ser uma boa surpresa, que deverá servir de tema para meditação ao júri quando for escolher seus vencedores.

Santitos não ganhou a simpatia do público por acaso. É um pequeno milagre de equilíbrio em condições instáveis. Veja a história: uma jovem viúva, Esperanza Diaz (Dolores Heredia) leva a filha ao hospital para operar as amídalas e, quando vai buscá-la, é avisada de que a menina morreu, por motivos desconhecidos. Talvez atacada por um vírus, que ninguém sabe qual é.

Não deixam ver o corpo. De volta à casa, tem uma visão. São Judas Tadeu a avisa de que a filha está viva e ela deve ir procurá-la. O que se tem em seguida é uma trip de Esperanza por diversas cidades mexicanas, e em seguida a Los Angeles, freqüentando os piores ambientes possíveis, pois está convencida de que a menina foi seqüestrada e levada para um bordel. Nessa viagem iniciática, a própria Esperanza se prostitui, descobre uma sexualidade que, se adivinha, nunca fora lá muito desenvolvida nela, e começa uma improvável paixão por um profissional da luta livre.

Felizmente, essa sinopse meio destrambelhada é salva pela sabedoria com que Springall mergulha no imaginário do seu povo. O binômio religião-sexualidade é explorado a fundo. O diretor sabe que trabalha numa realidade em que o senso do sagrado chega ao paroxismo barroco. Por isso, não soa estranho quando Esperanza liga, de bordéis distantes, ao seu confessor, para obter alívio e remissão de seus pecados. Nem parece inacreditável que ela se submeta a uma verdadeira consultoria de santos, apelando ora para São Judas, ora para Santo Antônio, para saber que caminho deve tomar em sua vida.

Há um lado dramático no filme; afinal se trata de uma mãe que procura por uma filha dada como morta. Mas essa dramaticidade é temperada por um senso de humor constante. Como se Springall aderisse e, ao mesmo tempo, olhasse a distância, a estética preferencial de seu país, que tende ao melodrama. Essa desconstrução, esse distanciamento crítico em relação ao barroquismo da dramaturgia mexicana, parece ser ainda uma tardia e permanente influência de Luis Buñuel, que por lá trabalhou, conformou-se ao melodrama ao mesmo tempo em que o conformava ao seu estilo próprio, e fez do México sua residência.

Morreu ali e ali deixou herdeiros, o caso mais notório sendo o de Arturo Ripstein.

Quanto a Estorvo, é, como se sabe, a versão para cinema do romance homônimo de Chico Buarque. O filme foi a Cannes e, lá, recebido com reservas.

Trata-se de um curioso paralelismo com a recepção do próprio livro. Chico é uma figura nacional, uma unanimidade, mas ninguém ficou totalmente convencido, na época, de que aquele compositor de sucesso, o rapaz de olhos claros e tímido, havia mesmo escrito um grande livro.

Hoje, com o recuo de alguns anos, já se pode dar a Chico o que pertence a ele. Para esse reconhecimento foi necessária a intervenção de críticos de alta respeitabilidade, e nada ranhetas, como Roberto Schwartz, mostrando que Estorvo, talvez mais do que qualquer outro livro contemporâneo, ousava ir à essência do que era o Brasil do fim de século.

Para Estorvo, o filme, se pede o mesmo trabalho crítico, a mesma boa vontade para acolher este que é um dos mais importantes - e interessantes - trabalhos do cinema brasileiro em sua fase de retomada.

Ruy radicaliza os procedimentos narrativos de Chico. Recria, em termos visuais, o sufoco kafkiano de um personagem que nem nome tem e é magnificamente interpretado pelo cubano Jorge Perugorría. Leonor Arocha faz a sua ex-mulher e enfrenta com desenvoltura um trabalho de desafio.

Aliás, todo o elenco, de Bianca Byington aos atores que defendem pequenos papéis, é muito homogêneo. Trilha sonora intrigante de Egberto Gismonti, e câmera e fotografia de virtuose, de Marcelo Durst. Estorvo ousa tocar, por um momento, a raiz mesma do mundo real brasileiro. Não se trata de um filme difícil - é simplesmente inquietante. E fundamental.

Agência Estado

Mais notícias | Cobertura completa

Copyright© 2000 Terra Networks, S.A. Todos os direitos reservados. All rights reserved.