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A obra-prima "Fantasia" ganha nova roupagem para o ano 2000
Hoje, todo mundo concorda que se trata de um clássico, a obra-prima de animação de Walt Disney. Mas quando Fantasia surgiu, em 1940, pouca gente gostou. A maioria achou pretensioso e kitsch o mix de desenho e música clássica proposto pelo criador de Mickey.
Entre os poucos que gostaram estava Mário de Andrade - o modernista, desde a primeira hora, saudou Fantasia como um grande filme e chegou a dizer que era daquelas obras que, por si só, justificam uma forma de arte (a animação, talvez o próprio cinema).
Disney sempre sonhou com novas versões de Fantasia. Seu objetivo era fazer uma Fantasia a cada ano, acrescentando novos episódios à série. E ele explicava o conceito - "Não se trata exatamente de um concerto, nem de um vaudeville ou de uma revista, mas de uma grandiosa combinação de comédia, fantasia, balé, drama, impressionismo, cores, sons e furor épico".
Mais de 30 anos depois da morte de Disney (em 1966) e 60 após o lançamento do original, Fantasia está de volta aos cinemas em nova roupagem. Fantasia 2000 estréia nos cinemas brasileiros, trazendo, de conhecido, só o episódio "O Aprendiz de Feiticeiro", estrelado por Mickey. "Fantasia" sempre foi indissociável do "Aprendiz" (e vice-versa). Mas mesmo "O Aprendiz de Feiticeiro" precisou passar por um rigoroso trabalho de restauração da sua parte visual para adaptar-se aos novos segmentos do filme.
"O Aprendiz" original foi transferido para dentro do computador e trabalhado quadro a quadro para que imagem e som (digitalizado) ficassem nota 10. Os outros segmentos - sete - são todos novos. Os críticos novamente torceram o nariz. "Fantasia 2000" tem sido espancado com gosto. Não ligue a mínima e vá ver. Só o admirável episódio baseado na "Rapsódia em Azul", de George Gershwin, já vale o preço do ingresso.
É belíssimo, mas como já ocorria com o Fantasia antigo o problema talvez seja que o filme, sendo uma animação, não se destina às crianças, como costuma ser nesses casos. Claro crianças podem ver e gostar, mas é mais provável que seus pais, o chamado público adulto, encontrem mais encanto em Fantasia 2000. Começa com o célebre pom-pom-pom-pom da "Sinfonia n.º 5" de Beethoven. Os quatro acordes foram escolhidos para abrir a obra para dar ao público uma imediata sensação de familiaridade. Virou o mais abstrato de todos os segmentos da nova versão.
Logo em seguida vem "Pinheiros de Roma", de Ottorino Respighi. Pelo próprio título, a obra deveria evocar pinheiros em ruínas romanas. Os animadores da Disney fizeram algo completamente diverso - a animação tridimensional, criada no computador, faz com que um bando de baleias consiga voar. Tecnicamente, talvez seja o segmento mais arrojado. Água, gelo, nuvens, perspectiva, tudo impressiona e atira o Fantasia de 1940 na era da tecnologia de ponta. Só que a técnica não é tudo. Com todo o ecologismo inerente ao episódio, Pinheiros de Roma, com suas baleias, também carrega no kitsch e não se pode dizer que tenha sido intencional.
Nem se abale por isso. Está para começar o terceiro segmento - a "Rhapsody in Blue". Não é de hoje que o diretor Eric Goldberg afirma sua admiração pelo lendário caricaturista Al Hirschfield, que já inspirou o personagem do gênio de Alladin. Goldberg une agora esses dois clássicos americanos - Hirschfield e Gershwin - no episódio mais audacioso e criativo de "Fantasia 2000". O traço de Hirschfield não tem nada a ver com as produções da Disney. O resultado é um visual diferente e uma história permeada de conotações sociais, desenrolada em Nova York, durante a recessão dos anos 30.
Os personagens são um trabalhador da indústria da construção, um desempregado, uma menina que não sabe cantar, dançar nem pintar e um marido oprimido pela mulher. Todos eles sonham e o sonho, ao som da partitura imortal de Gershwin, rende preciosos 12 minutos de animação. Os demais segmentos são: o "Concerto para Piano n.º 2", de Shostakovich, embalando a história do soldadinho de chumbo (o pior da série), "O Carnaval dos Animais", de Camile Saint-Saëns (os flamingos com ioiôs), o já citado "O Aprendiz de Feiticeiro", com Mickey Mouse ao som de Dukas, "Pompa e Circunstância", de sir Edward Elgar (o Pato Donald e a arca de Noé), a "Suíte do Pássaro de Fogo", de Stravinski, no grand finale, uma visão de esperança.
OK, os episódios são desiguais e a participação de Steve Martin, Bette Midler e Quincy Jones, em pequenos esquetes introduzindo os segmentos, não ajudam muito. Eles estão ali para lembrar que o que vemos é arte, quando a arte deveria falar por si mesma. O que há de bom em "Fantasia 2000" tem força suficiente para fazer do filme um programa atraente. (Luiz Carlos Merten/Agência Estado)
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