O medo de Nolan tem fundamento. A maldição de Hollywood tradicionalmente reserva para a última parte das trilogias um universo de problemas que vão da produção à crítica. Francis Ford Coppola que o diga: em O Poderoso Chefão Parte 3 teve que improvisar sua filha Sofia no elenco no último minuto, depois de ser deixado na mão por Winona Ryder. Após o lançamento enfrentou uma enxurrada de críticas.
Muito mais próximo da realidade de Nolan está Sam Raimi que comandou a trilogia do Homem-Aranha: seus dois primeiros filmes foram bastante elogiados, já o terceiro foi considerado um desastre. Ao ponto de Raimi, um pioneiro no sucesso de levar a linguagem de HQ para os cinemas (Evil Dead, Army Of Darkness, Darkman), ser afastado da série. Os produtores decidiram fazer um 'reboot' da saga com O Incrível Homem-Aranha, que apresenta o herói mais distante das histórias em quadrinho da Marvel. Ainda que criticado pelos fãs mais puristas, o objetivo deste novo filme foi alcançado: sucesso de bilheteria.
Mesmo com tudo a favor de Nolan - Batman Begins e O Cavaleiro das Trevas foram sucesso de público e crítica - o diretor estava inseguro. Talvez esteja aí o motivo para Nolan reforçar o elenco desta terceira produção com ainda mais gente de sua confiança. Dessa forma ele trouxe Tom Hardy (Bane) Marion Cotillard (Miranda Tate) e Joseph Gordon-Levitt (John Blake) para o universo de Gotham City. Três nomes que chegam à saga de Batman apenas em seu último capítulo, mas que estiveram com Nolan no set de A Origem (2010).
Além disso, Nolan manteve cada um dos atores que o ajudaram a criar o sucesso em torno dos dois primeiros filmes: Christian Bale (Bruce Wayne/Batman), Gary Oldman (Comissário Jim Gordon), Michael Caine (Alfred Pennyworth) e Morgan Freeman (Lucius Fox). Sua última aquisição foi Anne Hathaway no papel de Selina Kyle, a Mulher-Gato - ainda que no filme de Nolan ela não seja apresentada sob essa alcunha.
A trama de O Cavaleiro das Trevas Ressurge começa oito anos após os eventos do filme anterior de 2008. Gotham City é uma cidade próspera, que venceu a onda de crimes apoiada em uma rigorosa e implacável lei criada após a morte do promotor Harvey Dent, celebrado na cidade como herói. Batman, visto como responsável pela morte de Dent não é visto desde então, e Bruce Wayne se tornou um bilionário recluso e quase aleijado magoado pela morte de Rachel Dawes.
A aparente paz da cidade começa a sofrer golpes, seja pela insegurança de Gordon em sustentar uma mentira sobre os últimos momentos de Dent, seja com misteriosos ataques vindos de um exército que habita o subterrâneo de Gotham City. O líder destes soldados do esgoto é o terrorista Bane, interpretado por Hardy. Um ataque que coloca Gordon no hospital obriga Wayne a vencer os quase 10 anos de reclusão para voltar à cidade como o homem-morcego.
Entretanto, no filme de Nolan, o desafio maior de Wayne são as relações pessoais: a aliança com a talentosa ladra Selina Kyle, a parceria com o jovem policial John Blake e o rompimento da relação afetiva com Alfred fazem do bilionário um herói a se redescobrir.
Ao longo de 2 horas e 45 minutos, Nolan preocupa-se em não deixar pontas desatadas junto aos dois filmes anteriores. Quem não tiver assistido a Batman Begins e Cavaleiro das Trevas até entenderá o filme, mas vai perder toda a profundidade sombria de cada um dos personagens. Isto por que O Cavaleiro das Trevas Ressurge não é meramente um filme de ação, mas uma produção que leva às últimas consequências a capacidade (e sanidade) de cada um de seus protagonistas.
É interessante notar como Nolan faz um tributo a cada um dos personagens que passaram por sua saga. Harvey Dent (Aaron Eckhart) é constantemente relembrado e citado, um retrato de Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal) repousa na estante de Wayne. Ra's Al Ghul (Liam Neeson) aparece brevemente como uma alucinação, e até o Dr. Jonathan Crane (Cillian Murphy), o Espantalho, volta como um doentio juiz.
A ausência maior é o Coringa de Heath Ledger cujo personagem não é mencionado em nenhum momento. Premiado postumamente com o Oscar de Melhor Ator por sua incontestável interpretação do vilão no filme de 2008, Ledger merecia alguma referência.
E mesmo para personagens que chegam à história neste terceiro filme sobra espaço para um desenvolvimento psicológico profundo. É o caso de Bane, que nos quadrinhos surgiu em 1993 na saga A Queda do Morcego como um ex-presidiário utilizado como cobaia em experimentos científicos que lhe conferem força sobre-humana. O Bane de Nolan é diferente: um líder articulado que usa seu poder física como arma de terror, distante da massa muscular acéfala que caracteriza seu homônimo das HQs.
Selina Kyle, a Mulher-Gato, é ladra habilidosa e sedutora que - a exemplo dos quadrinhos - partilha com Batman uma relação quase amorosa. Mas não têm nenhum dos trejeitos felinos da personagem que no cinema já foi vivida por Michelle Pfeiffer (Batman, O Retorno, 1992) e Halle Berry (Mulher-Gato, 2004). John Blake e Miranda Tate são personagens criados exclusivamente para o cinema, mas claramente baseados em uma série de outros nomes das revistas em quadrinho.
Em uma época de seca na outrora inesgotável mina de ouro das franquias cinematográficas de heróis, os estúdios descobriram o recurso conhecido como 'reboot': zera-se o passado e inicia-se uma uma nova etapa totalmente diferente. Foi assim com Hulk, X-Men, Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Super-Homem, Justiceiro... O purismo de manter seus protagonistas fiéis a seus pares dos quadrinhos perdeu força, e, tantos os estúdios quanto as editoras, começam a aceitar bem o fato de, no cinema, a história andar de forma mais independente.
Nesse ponto, Nolan seguiu uma terceira via. Não foi nem purista ao extremo, sequer rebelde que nunca leu um gibi: foi inventivo e, com sua trilogia do homem-morcego, conseguiu não simplesmente emular o personagem das revistas em quadrinho, mas primordialmente criar e estampar sua percepção de como agiria um bilionário órfão e justiceiro noturno. Nolan fecha um ciclo sem deixar brechas para continuações. Um 'reboot' forçado para quem vier a ser seu sucessor.
No mesmo ano em que a Marvel lançou Os Vingadores e O Incrível Homem-Aranha nos cinemas, ambos sucesso de bilheteria, o grande feito de 2012 já é da "rival" DC Comics com este O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Uma produção que faria justiça se rendesse a Nolan um Oscar de direção como prêmio pelos três filmes.
O Cavaleiro das Trevas Ressurge não apenas acaba com todo e qualquer receio de Nolan em relação a essa trilogia como ainda cria um problemão para qualquer diretor que queira chegar perto de uma futura produção sobre Batman. Seja quem for, vai ter que suar a camisa para conseguir feito semelhante.