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Cannes: Abertura do festival sintetiza drama do cinema contemporâneo



Antes mesmo que começasse o 53º Festival de Cannes, realizou-se na tarde de terça-feira um colóquio promovido pela organização do evento e pelo jornal Le Monde. Cerca de 30 cineastas, escolhidos entre os mais prestigiados do mundo na atualidade - entre eles o brasileiro Walter Salles -, fecharam-se no Hotel Majestic e, sob a presidência da atriz Isabelle Huppert, para discutir o futuro do cinema. A pergunta que não quer calar é a seguinte: se mudarem as tecnologias, os suportes, o cinema ainda continuará existindo? Enquanto alguns teorizam, outros já fazem, hoje, esse cinema do futuro. O curta metragem L’Origine Du Siécle 21, de Jean-Luc Godard, abriu, oficialmente, a mostra. Foi exibido antes do longa Vatel, de Roland Joffé.


Godard, que sempre foi um visionário, apontando caminhos para o cinema, incorpora as novas tecnologias ao seu trabalho. Alguns críticos acharam meio preguiçoso que ele, para falar sobre o novo século, tenha recorrido a imagens de Hitler e Stalin para criticar os totalitarismos do século 20. Facilidades à parte, Hitler e Stalin foram mesmo os grandes fantasmas do século que termina, à direita e à esquerda. E o importante é que Godard, mais uma vez, usa a política para falar da linguagem e vice-e-versa. Seu filme, faz referências a obras de Kurosawa e a uma obra prima do próprio Godard, nos primórdios da nouvelle vague. Aparece na tela na imagem de Jean Seberg, em Acossado. Como se não bastassem essas referências, o diretor ainda presta uma belíssima homenagem a Stanley Kuberick, evocando o passeio do menino com o carrinho pelo interior da mansão de O Iluminado.

L’Origine Du Siécle 21 colocou o festival sob o signo do ano 2000, com tudo o que representa de antecipação do futuro. Logo em seguida veio o longa de Joffé, trazendo para a atualidade temas e personagens do século 17, mas que ainda servem de suporte a interrogações pertinentes na nossa época. Vatel foi, até certo ponto, uma surpresa.

Joffé é um diretor de certo prestígio, mas depois de A Missão, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes e de Os Gritos do Silêncio, há tempos que não vinha obtendo muita repercussão para o seu trabalho. Vatel é uma produção francesa. O diretor, de língua inglesa; os atores, uma mistura de nacionalidades e sotaques. Pelo menos em termos de produção, Vatel também não deixa de ser expressivo dessa era de globalização.

O personagem título foi um célebre banqueteiro, encarregado de produzir, em pouquíssimos dias, uma festa suntuosa para Luiz 14, quando o Rei Sol visitou o castelo do Príncipe de Conde, no interior da França. O filme foi escrito pela diretora e roteirista francesa, Jeanne Labrune, que ficou impressionada com uma referência a Vatel, numa carta escrita pela célebre Madame de Sevigné. Esse roteiro foi traduzido para o inglês pelo dramaturgo e também roteirista Tom Stoppard, que ganhou o Oscar por Shakespeare Apaixonado. Alguns críticos andaram lembrando a influência do Roberto Rossellini de A Tomada do Poder por Luiz 14, mas a diretora descartou essa fonte de referência. Jeanne prefere situar o roteiro que escreveu sob a influência de Jean Renoir, autor da obra prima que ela considera o maior filme de todos os tempos, A Regra do Jogo.

Naquele clássico dos anos 30, Renoir mostrou nobres e plebeus reunidos numa dupla caçada, ao coelho e sexual, num castelo, no interior da França. A idéia do diretor é que não existe essa coisa chamada de integração de classes. A única regra é que nobres e plebeus não se misturam. Até certo ponto, é o que ocorre em Vatel. É um dos filmes mais cruéis dos últimos tempos. Mostra a nobreza como um teatro. Vatel é o condutor do jogo. Sua função é proporcionar à aristocracia não só os prazeres gastronômicos, mas também a série de encenações que fazem do filme uma representação contínua. Tudo é falso em Vatel. Nada é o que parece ser. Para o diretor, esse personagem do século 17, foi, na verdade, um homem do século 20 que percebeu, antes de qualquer outro, o significado de se viver numa sociedade mediática, onde só é importante quem transforma coisa alguma em significados capitais.

Uma Thurman faz a favorita do rei, que é disputada pelo astucioso Lauzon, mas cuja paixão se inclina por Vatel. Uma é linda. Estava resplandescente na mesa, durante a coletiva realizada logo após a apresentação do filme. Ela declarou todo o seu amor pela França, não apenas porque foi francesa uma personagem decisiva de sua carreira, a Cecile, de Ligações Perigosas. Ela adora Cannes. Acha o máximo que o festival que celebra a expressão autoral dos artistas que fazem filmes, seja também o lugar onde se percebe a mundanidade e o glamour que fazem do cinema a grande festa do imaginário deste século de luzes. Já que o tema de Vatel é a busca do prazer, todo mundo queria saber do ator Gerard de Pardieu, que faz o personagem, qual é sua receita de vida. Depardieu disse que viver bem é dosar todo tipo de troca. Boas horas de sexo, boas horas de conversa, boas horas de prazer gastronômico. Para ele, a troca de fluídos não é só uma necessidade, é, realmente, a epítome do prazer. Já que se come muito no filme, todo mundo queria saber como anda o regime dele. Depardieu levantou e mostrou a barriga imensa.

Todo mundo percebeu o que ele queria dizer. Mais vale estar de bem consigo mesmo do que sacrificar-se por um ideal de beleza difícil de aguentar. A verdade é que Depardieu transmite, como poucas pessoas, o sentimento de estar muito bem consigo mesmo. Há mais de 20 anos que ele vem, sempre, a Cannes, e espera continuar vindo por mais 20. "Vocês são a minha família, não concebo à vida sem a alegria de estar aqui em Cannes participando dessa grande festa que celebra o cinema sem fronteiras de todo o mundo." (AFP)

 

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