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"Eu, tu, eles", filme do diretor brasileiro Andrucha Waddington, conta a incrível mas verídica história de uma mulher - magnificamente interpretada por Regina Casé - que vive com três maridos em plena sociedade patriarcal. Alguém disse uma vez que um bom filme é antes de tudo uma boa história, em segundo lugar uma boa história e finalmente uma boa história. Segundo este critério, Waddington fez um filme excelente com uma história extraordinária. Mas também a sobriedade da narração e a excelência da interpretação dão uma grande veracidade a esses personagens simples que vivem uma situação insólita, com a árida beleza do sertão. Apresentado nesta terça-feira no Festival de Cannes, na seção Um Certo Olhar, "Eu, tu, eles" é o segundo longa do cineasta brasileiro, de 30 anos. O filme se inicia com a partida de sua cidade de uma moça grávida cujo casamento não se realizou. Mãe solteira, Darlene, regressa anos depois, no momento em que sua mãe morre. Osías (Lima Duarte), um vizinho mais velho do que ela, lhe propõe casamento e ela aceita. Não nos enganemos: Darlene não é nem heroína feminista, nem uma rebelde, nem sequer uma mulher "liberada". Tem uma vida normal de camponesa nordestina, submissa ao marido. Vive numa sociedade patriarcal, contra a qual não se rebela, mas acha uma maneira de burlá-la. O filme é baseado numa história real. "Há alguns anos vi na televisão uma reportagem sobre uma mulher que vivia com três maridos no nordeste", contou Andrucha Waddhington à AFP. "A história me fascinou. No Brasil, um país eminentemente machista, e especialmente no nordeste, é comum ver homens com duas ou três mulheres, que são amantes e não vivem no mesmo lugar. Mas ver uma mulher que vive com três homens na mesma casa é uma situação surpreendente, paradoxal". "A partir desse fato real, pedi a Elena Soares que escrevesse um roteiro, mas imaginando uma história completamente de ficção, e trabalhamos muito sobre a relação humana entre os personagens, a relação entre os três maridos, a maneira como a mulher administra essa relação", acrescentou. "A história é convincente porque ela é uma mulher poderosa, hábil. A grande habilidade dessa mulher é que consegue que os homens, que são machistas, aceitem essa situação porque estão apaixonados por ela", explica o diretor, anotando: "Creio que fiz um filme dedicado às mulheres". Quanto à escolha de Regina Casé, Waddington disse que nunca houve a menor dúvida, posto que escreveu a história para ela, e destacou que foi "seu trabalho e o dos outros intérpretes que deram credibilidade a esses personagens". O nordeste, assinalou, se impunha como lugar, "porque a história real ocorreu lá, mas também porque uma história como esta não poderia ter ocorrido no Rio ou em outra grande cidade". "O sertão é um país sem fronteiras, é um país dentro do país. Os nordestinos têm uma maneira de viver, de falar, de se comportar que lhes é própria, têm uma grande dignidade. É uma região onde as pessoas, apesar de não terem recursos, têm muita dignidade, muita honra, muito orgulho, e isto é uma coisa bonita de contar", concluiu.
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