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Andrucha Waddington chorou. Teve motivos para isso - com exceção dos dez minutos de aplausos para "Central do Brasil", em Berlim, nenhum outro filme brasileiro teve uma recepção tão calorosa em qualquer um dos grandes festivais internacionais de cinema, nos últimos 10 ou 15 anos. No dia anterior, "Eu, Tu, Eles" já havia sido aplaudido na sessão para a imprensa. Hoje, na sessão oficial, integrando a mostra "Un Certain Regard", a sala veio abaixo. No almoço realizado a seguir, o diretor, os olhos vermelhos, ainda não havia conseguido controlar a emoção. "Foram cinco anos de trabalho; agora, a criança está entregue", dizia. Tudo começou quando Andrucha viu, no "Fantástico", a incrível história de Marlene, a cearense que tinha três maridos e administrava muito bem a situação, fazendo com que todos convivessem harmoniosamente, debaixo do mesmo teto, no alto sertão cearense. Andrucha enviou a roteirista Elena Soarez ao encontro de Marlene. Percebeu o potencial cinematográfico de sua história. Elena conta que fez uma longa entrevista com Marlene e isso, até certo ponto, dificultou seu trabalho. Durante dois anos, ela escreveu várias versões do roteiro tentando ater-se aos fatos reais. "Percebemos que não estava dando certo", diz Andrucha, do lado dela. "Resolvemos abandonar a verdade e abraçar a lenda", acrescenta, no que não deixa de ser uma referência à frase famosa do clássico de John Ford, "O Homem Que Matou o Facínora". Elena conta que os vários roteiros que escreveu davam diferentes tratamentos ao tema. "Houve o enfoque "Vidas Secas", a comédia rasgada; finalmente, chegamos ao meio-termo, que considero ideal". No intervalo, Andrucha foi fazer "Gêmeas", que ele próprio define como seu aprendizado de cinema. Com os erros daquele filme adquiriu conhecimento para chegar ao acerto deste. O filme tem atores maravilhosos - Regina Casé, Stênio Garcia, Lima Duarte e Luiz Carlos Vasconcelos. E termina muito bem, o que ajuda a explicar o entusiasmo com que o público o recebeu. "Foi um final escrito a 12 mãos", diz Andrucha. Mas a idéia básica veio de sua mulher, a atriz Fernanda Torres. "Gostaria que a Fernanda estivesse aqui para saborear este triunfo com a gente", diz o diretor de 30 anos. Quando Regina Casé foi chamada ao palco, antes da exibição, o público recebeu-a com aplausos calorosos. Depois da sessão, ela diz que foi uma loucura. "As mulheres todas queriam me abraçar, congratular-se comigo porque dizem que o filme mostra realmente a força feminina." Andrucha e Elena escreveram "Eu, Tu, Eles" (no filme, a personagem chama-se Darlene) para Regina. Ela adorou a personagem, a experiência. "Estou há dez anos na estrada, percorrendo o Brasil inteiro, desde o "Brasil Legal"; sei que histórias como a de Marlene são reais; conheci mulheres que tinham seis filhos para criar e ainda eram responsáveis por outros seis das vizinhas; mulheres intuitivas, com força para aceitar o que a vida lhes dá". Não é conformismo, acrescenta Regina. "São lutadoras e foi assim que eu vi a Darlene". Ela se sente próxima da personagem até pelo fato de também ter origem nordestina. Acha que, por seu tipo físico, não pode criar qualquer personagem, mas existe um certo tipo de personagem especial para ela. Adora fazer cinema. Espera que, depois de "Eu, Tu, Eles", surjam novas propostas. "Quero fazer mais filmes", diz. As pessoas ao redor a tratam como uma rainha. Andrucha disse que o filme foi feito por gente para gente. Se depender da gente aqui em Cannes, o novo filme de Andrucha poderá fazer uma bela carreira no País e no exterior. Depois do cosmopolitismo de "Estorvo", de Ruy Guerra, e do folclore de "Woman on Top", de Fina Torres, o Brasil finalmente mostrou sua cara em Cannes. Andrucha chora, mas é de alegria. O mundo quer abraçar sua criança e ele é um homem feliz por isso.
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