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No cinema mexicano "baratear custos é quase um dever moral", disse esta quinta-feira à AFP o diretor Arturo Ripstein, ao explicar sua opção pelo vídeo digital transferido depois aos 35 mm, técnica com a qual foi filmado "Así es la vida", apresentada na seção oficial hors concours Um Certo Olhar do Festival de Cannes. "Há muito que buscava algo que não fosse o cinema e seu meio. México é um país com uma economia deprimida e tinha que procurar a maneira de trabalhar com custos possíveis. A questão que se coloca é fazer filmes ou não fazê-los, e com esta tecnologia se pode", acrescentou o cineasta, estimando que o vídeo digital "democratiza o meio e tornará possível que entrem no cinema novas pessoas que de outro modo não poderiam". "Tudo isto abre uma porta. É preciso descobrir uma nova estética, pois isto não é cinema, não é televisão, nem tampouco um híbrido. É cinema digital, que tem sua especificidade. É uma beleza veraz, uma beleza crua, uma beleza para a qual não existe o cânone", reflete o cineasta. "Así es la vida" é uma adaptação de "Medéia" de Sêneca transportada ao México de hoje, mas conservando a estrutura dramática de tragédia, e inclusive o coro, que no caso adquire a forma de um grupo de cantores de boleros, o que, nas palavras da roteirista Paz Alicia Garciadiego, se impunha, posto que "o bolero é o filho mexicano da tragédia". Ripstein situa a história no microcosmos fechado de um cortiço, põe a televisão como elemento de referência social, como espelho, e matiza a enormidade do drama com um certo distanciamento e toques de humor aportados pelo coro bolerístico e pelos apresentadores de televisão, que intervêm no que ocorre fora da tela. Mas tudo isto não evita que se sinta no filme uma certa impressão de falsidade, a inevitável falsidade da transposição, posto que ao desaparecer a dimensão mítica, ao transformar Medéia em Julia, a tragédia grega perde sua essência e adquire mais os aspectos de um dramalhão tipo telenovela que violasse as regras morais do gênero. Dois filmes competiram nesta quinta-feira, "Eureka", do japonês Aoyama Shinji, e "Kippur" do israelense Amos Gitai. Definido por seu diretor como "uma forma de oração pelo homem moderno que busca a coragem de viver", "Eureka", com mais de três horas e meia de duração, narra o percurso à procura de salvação de três personagens unidos por terem sido vítimas casuais do mesmo drama, uma sangrenta tomada de reféns num ônibus. Por sua vez, Gitai leva o espectador ao interior da guerra, não a do Kippur, que aparece como simple desculpa, mas qualquer guerra, a toda guerra, ao fazê-lo compartilhar a vida de um grupo de soldados encarregados de recuperar os feridos e retirá-los em meio a combates nos quais nunca se percebe o inimigo.
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