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Fellini já era grande na década de 60


Fellini: profeta
do cinema (Reprodução)

Foram anos prodigiosos, aqueles - 1960 e 61. Um biênio em que surgiram, na Itália, filmes como A Doce Vida, de Federico Fellini, A Aventura, de Michelangelo Antonioni, Rocco e Seus Irmãos, de Luchino Visconti, e De Crápula a Herói, de Roberto Rossellini. Obras que justificam, mais que uma cinematografia, o próprio cinema. O espectador jovem que for ver nesta sexta-feira o clássico de Fellini em cópia nova não tem idéia do impacto que o filme teve ao estrear nos cinemas. A Doce Vida terminou sendo um filme profético. Antecipou as mudanças que terminaram marcando os anos 60 e fizeram daquela década a da transformação, a que mudou tudo.

Fellini já era considerado um grande do cinema naquela época. Havia recebido duas vezes o Oscar de melhor filme estrangeiro, por A Estrada da Vida/La Strada e As Noites de Cabíria. Receberia o prêmio mais duas vezes, depois - por Oito e Meio e Amarcord. E receberia ainda um quinto Oscar de carreira, por sua extraordinária contribuição à arte e à indústria do cinema. Essa chuva de Oscars o põe entre os campeões absolutos da história da Academia, mas a consagração de Fellini não dependeu do Oscar. De Os Boas Vidas a A Doce Vida e, depois, de Oito e Meio a Fellini Entrevista, ele fez um tipo de cinema auto-referente e autobiográfico.

Com A Doce Vida expressou a malaise contemporânea de uma forma como raramente se havia visto em 1960, talvez apenas com algumas obras precedentes do sueco Ingmar Bergman. Não admira que o filme, exibido em competição em Cannes, tenha recebido a Palma de Ouro.

Em Os Boas Vidas, por meio de Moraldo, o personagem interpretado por Franco Interlenghi, Fellini já havia contado sua história em Rimini e o que poderia lhe ter ocorrido se não tivesse fugido à mediocridade daquele meio asfixiante. Moraldo era Fellini, Marcello Rubini é Fellini. Marcello é o protagonista de A Doce Vida, um título irônico, pois a vida que o grande diretor mostra está longe de ser doce.

Marcello é jornalista, como Fellini foi, e o que o cineasta conta por meio dele é a decadência da Roma moderna. O título de rodagem do filme foi outro - Babilônia 2000. Tinha tudo a ver com o projeto de lançar um olhar sobre a Roma moderna para lançar um olhar crítico sobre as mudanças de comportamento que ocorriam, sobre o vazio moral, a angústia de ser.

Os planos iniciais são antológicos - o helicóptero sobrevoa Roma levando, pendurada, a estátua de Cristo. Passa por um terraço no qual mulheres seminuas banham-se ao sol. Fellini introduz dessa maneira o seu painel sobre a desagregação dos costumes da sociedade contemporânea. Mais tarde, com Fellini Satyricon, filmou a decadência moral da Roma antiga. A Doce Vida mostra uma sociedade cristanizada que perdeu seus valores. Não por acaso, a estrela de cinema, Sílvia - a mais famosa criação de Anita Ekberg, a atriz de seios fartos e curvas derrapantes a quem Fellini chamava, carinhosamente, de Anitona -, usa uma roupa estilizada de padre ao desembarcar em Roma. Será uma das conquistas de Marcello, esse homem que vive para o momento, para o sexo, alienado de todos os valores.

Terra e água sempre foram importantes no cinema de Fellini.

Desesperado ao perceber, com a perda de Gelsomina, que foi privado do verdadeiro amor, Zampano cai ao solo e verte lágrimas dolorosas, antes de, tocando na terra, levantar-se revigorado para retomar a vida.

Cabíria, traída e abandonada, também cai ao solo e toca a terra para dela retirar a força que necessita para reviver, embalada pela música do grupo de saltimbancos. A água é fundamental em A Doce Vida. A seqüência da Fontana di Trevi tornou-se um emblema daquela época.

Sílvia entra na fonte, banha-se, Marcello a segue e, quando estão prestes a se beijar, a água pára de jorrar e ficam os dois, meio ridículos, observados à distância por um transeunte que olha (com que olhar? faça sua avaliação) a cena.

Censura - Sexo, drogas, falsidade. A religião está constantemente em xeque em A Doce Vida. Sempre esteve na obra de Fellini. A Igreja Católica, na qual ele foi formado, é aquela mamma que ergue seu dedo ameaçador em Fellini Roma, valendo lembrar que, no mesmo filme, o autor ironizou a Igreja por meio do desfile de modas eclesiásticas que a censura do regime militar houve por bem cortar no Brasil. Água e cristianismo combinam-se na cena final de A Doce Vida. Depois da orgia, Marcello e os amigos vão para a praia, descobrem o estranho peixe (o peixe, símbolo primevo de ser cristão). Encontram a garota (Valeria Ciangottini, a pureza), que tenta se comunicar com Marcello, mas ele, do fundo de seu abismo moral, não consegue ouvi-la.

Hoje, com a liberação cada vez maior dos costumes no cinema atual, sexo e violência deixaram de causar espanto. Pode ser que as cenas de sexo de A Doce Vida, ousadas em 1960, sejam consideradas hoje pudicas.

Pode ser, mas o sentido permanece intato. Madalena, a extraordinária Anouk Aimée, tem todo o dinheiro do mundo, mas, para se excitar, paga à prostituta para deitar-se na cama dela, fazendo sexo com Marcello.

Diante das poderosas imagens deste filme (fotografia de Otelo Mastelli, música de Nino Rota), você vai entender por que A Doce Vida virou clássico.

Fellini foi um dos autores que contribuíram para desinfantilizar o cinema, transformando-o numa arte adulta.

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(O Estado de S. Paulo)

 

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