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Brasil está fora da mostra competitiva em Veneza
Mas Lima Duarte e Hector Babenco atuam em filmes que concorrem


Desta vez, Brasil e América Latina ficaram de fora do Festival de Veneza. Pelo menos de sua mostra competitiva, aquela que é para valer, e garante ao vencedor o cobiçado Leão de Ouro, seu prêmio máximo. A maior proximidade do Brasil com a mostra veneziana, que começa sua 57ª edição nesta quarta-feira, no Lido, com a exibição fora de concurso de Space Cowboys, de Clint Eastwood, são as presenças do ator Lima Duarte no elenco de Palavra e Utopia, do veterano português e concorrente Manoel de Oliveira e Hector Babenco como ator em Before Night Falls, de Julian Schnabel.

Há também, do Brasil, o documentário O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna, em uma das mostras paralelas do evento, chamada de Nuovi Territori. No ano passado, Julio Bressane exibiu seu São Jerônimo nesta mesma seção, em tese destinada à pesquisa de novas linguagens.

A mostra competitiva, em si, que é a que marca de fato os festivais de cinema e os faz passar para a posteridade como históricos ou embusteiros, tem tudo para ser de alto nível este ano. São 20 longas-metragens em disputa, reunindo nomes consagrados como o do já citado Manoel de Oliveira, além do norte-americano Robert Altman e do inglês Stephen Frears.

Junto a eles, há cineastas bem conhecidos como o francês Xavier Beauvois, os italianos Gabriele Salvatores e Marco Tulio Giordana, o chileno radicado na França Raoul Ruiz, o iraniano Jafar Panahi, para ficar apenas nos mais evidentes. Essas feras e outros concorrentes que podem surpreender disputarão os prêmios do festival.

Poucos troféus porque, nesse sentido, o Festival de Veneza é econômico. São ao todo oito distinções na mostra competitiva de longas-metragens, sem possibilidade de empate nas categorias principais: Leão de Ouro para o melhor filme, Prêmio Especial para direção, Copas Volpi, uma para ator, outra para atriz, Prêmio Marcello Mastroianni para ator ou atriz revelação, e Medalha de Ouro do Senado Italiano.

Dá-se também um troféu suplementar para o melhor filme de diretor estreante, que pode ser escolhido em qualquer das seções do festival. E é só. Bem diferente dos festivais brasileiros que distribuem troféus, lembranças e agrados até para madrinha de batismo de cineasta.

Os júris que irão atribuir os prêmios também são formados por pessoas conhecidas e respeitadas. Milos Forman preside o júri oficial da mostra competitiva, e Atom Egoyam, o júri para diretor estreante. Os dois têm algo em comum, além do talento para fazer filmes inesquecíveis como Um Estranho no Ninho e O Doce Amanhã - ambos trabalham nos Estados Unidos apesar de originários de outros países.

Forman nasceu na atual República Checa e Egoyam, embora naturalizado canadense, é de origem armênia. Compõem o restante do corpo de jurados presidido por Forman a atriz norte-americana Jennifer Jason-Leigh, a diretora iraniana Samira Makhmalbaf, o escritor Tahar Bem-Jelloun, o diretor italiano Giuseppe Bertolucci, o cineasta francês Claude Chabrol e o crítico de cinema alemão Andreas Kilb. Egoyam escolhe o melhor filme de diretor estreante do festival em companhia da atriz Chiara Mastroianni, do diretor Mimmo Calopresti, do ator Peter Mullan e do crítico Bill Krohn.

Enfim, tudo está montado para que a festa seja boa: nomes conhecidos, outros nem tanto, porém promissores, glamour hollywoodiano associado àquilo que resta de seriedade autoral cinematográfica no umbral do milênio. Com essa mistura fina, Veneza procura marcar uma posição própria no âmbito dos grandes festivais internacionais.

Cannes busca o gigantismo, o charme e o mercado, mas tem conseguido manter premiações interessantes nos últimos anos, como o outsider Rosetta, dirigido pelos irmãos Dardenne, da Bélgica, no ano passado, e Dancer in the Dark, do dinamarquês Lars von Trier, neste. Berlim é tido como amante do cinema de cunho mais político, mas, ao mesmo tempo, gosta de se aproximar dos Estados Unidos, país quase hegemônico no cinema dito de mercado.

Concessões - Veneza, durante alguns anos, procurou se manter firmemente aferrado ao terreno autoral, o daqueles filmes de grande investimento artístico, porém nada comerciais. No entanto, como também precisa atender ao côté mundano, faz as devidas concessões. Por exemplo, há dois anos o festival começou com uma sessão solene de O Resgate do Soldado Ryan, e abrigou Steven Spielberg e sua entourage de 30 pessoas com toda a pompa e circunstância de que a Sereníssima República é capaz.

Por isso não se deve estranhar que o festival abra este ano com Space Cowboys e uma homenagem a seu autor. Clint Eastwood é a própria imagem dessa vocação anfíbia de Veneza, sem nenhum jogo de palavras alusivo à localização geográfica da cidade. Ator de grande apelo popular em filmes de ação, Clint tornou-se diretor respeitado e autor de um trabalho tão notável quanto Os Imperdoáveis.

Aos 70 anos, Clint está acima do bem e do mal. Satisfaz gregos, troianos e baianos e, portanto,merece seu Leão de Ouro especial pela carreira. Ninguém irá contestar essa decisão, tomada pelo diretor da mostra, Alberto Barbera, em seu primeiro ano de gestão. Além disso, Space Cowboys tem tudo para ser aquele protótipo de filme simpático, bom para abrir festivais. Trata-se de um faroeste espacial e crepuscular, com elenco de veteranos. Além de Clint, que dirige e atua, estão nos créditos James Garner, Tommy Lee Jones e Donald Sutherland.

Perfil hipotético - Ninguém traça a priori o perfil de um festival. Ele se define ao longo de sua realização. No entanto, algumas linhas já podem ser antecipadas. Por exemplo, é proporcionalmente grande a presença oriental em Veneza, com concorrentes da China (Platform, de Jiang Zhang-ke), Hong Kong (Durian Durian, de Fruit Chan) e Coréia do Sul (A Ilha, de Ki-duk Kim).

Caso algum deles vença, será reforçada uma tradição recente de hegemonia oriental no Lido. Nos últimos anos, levaram o Leão de Ouro filmes como Vive L'Amour, de Tsai Ming Liang (Taiwan), O Ciclista, de Tran Ahn Hung (Vietnã), Hana-Bi de Takeshi Kitano (Japão), e Nenhum a Menos, de Zhang Yimou (China).

Outra possibilidade de especulação é sobre o desenho temático do festival. Alguns críticos têm notado que a seleção proposta por Barbera privilegia desvios de todas as espécies. Segundo esses observadores, há nos filmes deste ano toda a sorte de aberrações possíveis da conduta humana, como comportamento sexual fora da norma, adição a drogas, perversões variadas e violência associada à sexualidade. Nesse cardápio inclui-se uma cinebiografia do Marquês de Sade, filmada pelo francês Benoît Jacquot, prostituição infantil em Durian Durian, do chinês Fruit Chan, e Denti, de Gabriele Salvatores (o mesmo do premiado Mediterrâneo), cujo protagonista enfrenta nada menos que uma sucessão de dentistas sádicos.

O Brasil não concorre ao Leão de Ouro. Mas tem pelo menos o consolo de abrir, de fato, a mostra veneziana. O radical documentário de Paulo Caldas e Marcelo Luna, O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas, será o primeiro entre os 164 filmes do programa oficial a ser exibido no Festival de Veneza. Nesta quarta-feira, às 15 horas, na Sala Volpi, antes mesmo da abertura oficial, que ocorre à noite com Clint Eastwood, os italianos e jornalistas do mundo todo poderão sentir na pele a crueza ritmada desse rap da periferia brasileira.

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(Agência Estado)

 

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