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"O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas" expõe contrastes sociais
Documentário de Paulo Caldas e Marcelo Luna, inicia mostra paralela

Documentário propõe
uma reflexão sobre
a violência urbana

O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas - o título já em si é estranho e desperta curiosidade. Cabem alguns esclarecimentos.

Pequeno Príncipe não é exatamente o personagem do escritor Antoine de Saint-Exupéry, o preferido das misses brasileiras. É, apenas, o apelido de Helinho, matador de Camaragibe, periferia de Pernambuco, que está preso, acusado de mais de 70 homicídios. A expressão "almas sebosas" designa as vítimas potenciais de "justiceiros" como Helinho: é gente que não merece viver. Então, livrar o mundo de sua presença se torna uma tarefa meritória, segundo a lógica de Helinho.

O documentário, impressionante, toma depoimentos do matador, que está cumprindo pena em prisão do Recife. A entrevista é de arrepiar, porque o rapaz tem 21 anos e fala dos seus crimes com a naturalidade de um mecânico que explica como trocou um carburador defeituoso. Considera-se benfeitor de sua comunidade. Explica que nunca mandou desta para melhor quem realmente não o merecesse. Ouve-se o pessoal de Camaragibe. As pessoas parecem muito propensas a concordar com ele.

Helinho causa impressão e mal-estar. Mas como o documentário de Paulo Caldas e Marcelo Luna se quer uma reflexão não-sensacionalista sobre a questão da violência urbana, faltava um contraponto. E este aparece na figura de Garnizé, criado no mesmo bairro violento que Helinho, mas que conseguiu dar outro sentido à vida. Tornou-se músico de rap e atua na banda conhecida como Faces do Subúrbio.

São dois caminhos diferentes, mas que se cruzam em alguns pontos. Hélio José Muniz, o Pequeno Príncipe, nasceu em Camaragibe e tinha dez irmãos. Cresceu na miséria e no analfabetismo. Cedo, começou a notar que o bairro de moradores honestos e pobres era também freqüentado por gente indesejável.

Almas sebosas. Achou que seria interessante contribuir para uma limpa na vizinhança. Fundou a "instituição" Os Vingadores. O símbolo, que os integrantes fazem tatuar no corpo, é uma cruz com um olho vigilante no meio.

Helinho diz que sempre agiu como benemérito, nunca por interesse próprio.

Garnizé cresceu no mesmo ambiente. Mesma família numerosa, mesma pobreza. De índole mais pacífica, dedicou-se à arte. Faz o som nas festas locais e é estimado. Expressa-se de maneira viva, tem opiniões definidas. Seus ídolos?

Che Guevara, Malcolm X, Zumbi dos Palmares. A politização dessas afinidades eletivas não o impede de admirar o ex-vizinho e amigo Helinho. Deve-lhe um favor. Um dia, voltando de uma festa, Garnizé foi assaltado por um bandido de Camaragibe. No dia seguinte, sem a necessidade de um pedido, o ladrão já não mais se contava entre os vivos. Helinho tomara providências.

A idéia do filme é jogar o contraste de uma vida contra a outra. Os dois personagens cresceram na miséria e no desespero. Um busca a saída pela violência direta. Outro, a sublima por meio da música. Rap do Pequeno Príncipe é pouquíssimo ideológico. Limita-se a ouvir essa voz da periferia para a qual as elites fazem questão de continuar surdas. O documentário é uma advertência. Merece ser visto, assim como merece ser ouvido o rap do Faces do Subúrbio, mesmo por gente de gosto supostamente mais refinado.

Resta ver como esse documento precioso e sem complacência será compreendido por uma platéia culturalmente heterogênea como a do Festival de Veneza. (Agência Estado)

 

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