Robert Altman é uma grife cinematográfica - ainda que o diretor americano prefira definir essa marca como um "fardo". "A cada novo trabalho, sinto que estou ficando melhor. Mas, quando mostro aos outros, sempre ouço a mesma coisa: 'Altman já foi melhor'", reclamou o cineasta de 75 anos, comentando a falta de entusiasmo com que a imprensa recebeu seu último filme, Dr. T and the Women, no Festival de Veneza. Estrelada por Richard Gere, a produção retrata a rotina tumultuada de um ginecologista de Dallas. Rodeado de mulheres com os hormônios à flor da pele, ele tenta ajudá-las, enquanto sua vida pessoal desaba. A mulher (Farrah Fawcett) está perdendo o juízo, a cunhada (Laura Dern) não pára de assediá-lo, uma colega do clube de tênis (Helen Hunt) o leva para a cama e a filha (Kate Hudson), que está prestes a casar, reata o romance com uma garota (Liv Tyler).
"O filme é uma carta de amor às mulheres, em especial às de Dallas", resumiu Altman, em entrevista, no hotel 4 Fontane. Com Dr T. and the Women, que já garantiu distribuição no Brasil, o cineasta concorre ao Leão de Ouro desta 57ª. edição do evento italiano.
"Se um único maluco gostar, já me dou por satisfeito" brincou o diretor, veterano no circuito de festivais - de onde já saiu aclamado com títulos como M.A.S.H., Nashville, Short Cuts - Cenas da Vida e O Jogador.
Alguns diretores renomados evitam colocar seus filmes em mostras competitivas. O sr. não...
Acho que seria rude não aceitar um convite para entrar em competição. O que diriam de mim? Que eu sou bom demais? Que eu sou muito importante? Ou que tenho medo? O máximo que eu posso dizer é que, mais uma vez, fiz o que pude. Para mim, Dr. T and the Women é o meu melhor filme.
Afinal, é o meu bebê.
Gingerbread Man e A Fortuna de Cookie, seus últimos trabalhos, não foram bem acolhidos pela crítica e pelo público. Qual sua expectativa com Dr. T?
Não me preocupo com isso. Mas admito que fico um pouco incomodado quando as pessoas insistem em manter essa enorme expectativa com relação aos meus filmes. Por causa disso, tenho vontade de lançar uma obra sob outro nome.
Será que, sem o nome Altman nos créditos, o espectador assistiria o filme pelo que ele é? As pessoas esquecem que, quando você gosta de um título, várias questões entram em jogo. Quem você é, o momento em que você viu... É por isso que alguns filmes são insuperáveis. Dr T. é um filme de baixo orçamento. Eu e Richard Gere não ganhamos nada. Se o filme for bem, vamos receber algum dinheiro. Se for regular, não perdemos nada. E, se for muito mal, nós só teremos perdido tempo.
Dr. T abre com um plano-seqüência vibrante, uma de suas marcas registradas...
A seqüência com as mulheres circulando na sala de espera do consultório tem quatro minutos e meio. Mas eu já fiz mais longas, como a de O Jogador, com dez minutos. Uso o recurso para chamar a atenção da platéia, para ajudá-la a se concentrar. Quero que o espectador mergulhe imediatamente no meu mundo.
Vários de seus filmes apresentam uma estranha combinação de atores. Agora, o sr. traz Farrah Fawcett de volta às telas. Isso é intencional?
De certa forma, sim. Não concordo com a forma com que a maioria dos atores é escalada em Hollywood. Eles são escolhidos com base em sua popularidade, em seu fôlego nas bilheterias. Eu seleciono pelo talento. E adoro promover uma mistura inesperada de atores. Muitas vezes me surpreendo com o resultado.
Quais as qualidades de Richard Gere que o fizeram escolhê-lo como protagonista?
Ele é um ator fabuloso. Ele é melhor do que eu pensava. O que me atraiu no início, quando eu ainda não sabia disso, foi a possibilidade de aproveitar o seu carisma na tela. Ele tem esse magnetismo, que mexe com as mulheres e deixa os homens curiosos. E era assim que eu via o ginecologista do filme.
Além disso, pouco antes de eu escalá-lo para o papel, uma dessas revistas de comportamento tinha eleito Gere um dos homens mais sexies do mundo. O que veio ao encontro do que eu procurava.
Então por que o sr. não o usou em alguma cena mais ousada?
Não vi razão para fazê-lo tirar a roupa. Ainda que boa parte do filme se passe em um consultório ginecológico, são poucas as mulheres que a platéia vê nuas. Helen Hunt quando vai tomar banho e Farrah Fawcett na fonte são as únicas. O que eu não consigo conceber é rodar cenas de sexo. Eu não me interesso por isso. Quando um casal vai para a cama, acho que a coisa deve ficar entre duas pessoas.
Os atores que já trabalharam com o sr. comentam a sua maneira "invisível" de dirigir. O que isso significa?
É o meu processo de trabalho. Quando algum ator me pergunta como deve fazer o personagem, eu sou o mais vago possível. Se eu falar alguma coisa, vou limitar as suas possibilidades. Além disso, se não funcionar, ele vai dizer que a culpa foi minha. Eu quero que os atores explorem a sua bagagem no set.
Afinal de contas, foi para isso que eles entraram na dramaturgia. Para criar. Então eu os deixo exercer essa vocação.
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