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Em tese, Harrison Ford e Michelle Pfeiffer foram os últimos big stars americanos a visitar Veneza durante o festival. A dupla veio ao Lido para acompanhar a projeção, fora de concurso, de Revelação, de Robert Zemeckis (o mesmo de Forrest Gump e De Volta para o Futuro), que estréia quinta-feira (07) no Brasil. Desta vez, Ford faz um vilão, numa trama que mistura fantasmas, traição conjugal e disputas profissionais. Na conversa com os jornalistas, repleta de banalidades, Ford confessou que às vezes se torna cúmplice da mídia e dos clichês com sua imagem. E, para confirmar o que diz, avisou que, aos 58 anos, voltará mais uma vez ao papel de Indiana Jones. A presença de astros e estrelas como Clint Eastwood, Harrison Ford, Michelle Pfeiffer e Sharon Stone sempre provoca reações diversas no Lido. Há um misto de atração e repulsão dos italianos em relação ao cinema de Hollywood e seus representantes. Grosso modo, pode-se dizer que boa parte da imprensa é fascinada pelos stars. Até agora, os norte-americanos que puxaram todas as manchetes da cobertura dos jornais, apesar de a presença dos Estados Unidos no Festival de Veneza ser pífia este ano. Apenas dois longas, Doctor T. and the Women, de Robert Altman, e Before Night Falls, de Julian Schnabel, estão na disputa pelo Leão de Ouro. O mal-estar em relação aos EUA aparece do lado dos realizadores italianos e parte da crítica, que vêem o cinema local, outrora uma das potências do mundo, perder cada vez mais espaço para os blockbusters vindos do outro lado do Atlântico. Isso, a cada ano, se traduz em protestos variados. Aparentemente agora foram mais radicais. Um encontro, previsto entre italianos e norte-americanos, foi boicotado pelos primeiros. Os cineastas locais compareceram ao local do encontro, leram um manifesto e se retiraram. A nota, com a chancela da Associazione Nazionale Autori Cinematografici (Anac), pronuncia-se contra a presença no Lido da poderosa Motion Pictures Association (MPA), órgão que defende os interesses do cinema americano no mundo, sob comando e mão férrea do ubíquo Jack Valenti. Os italianos dizem que se recusam a dialogar com os interlocutores americanos representados por uma associação como a MPA, tida como responsável pela brutal queda da participação do cinema local em seu próprio mercado. No documento, os diretores sustentam que o cinema nacional italiano já chegou a ocupar 65% do seu mercado interno e hoje responde por apenas de 10% a 15%. Acusam os americanos de lobistas e, de quebra, criticam a estrutura de distribuição e exibição que, dizem, privilegia o produto estrangeiro. A ministra da Cultura, Giovanna Melandri, que havia organizado o encontro, contra-atacou, dizendo que os diretores locais fariam melhor em examinar a própria crise de criatividade incapacitados que estão de produzirem filmes que sensibilizem o público. De qualquer forma, o documento é assinado por pesos-pesados como Marco Bellocchio, Mario Monicelli, Gillo Pontecorvo, Ettore Scola, Suso Cechi D'Amico e Lina Wertmuller. Grita - Outro motivo de queixa foi a tímida homenagem prestada pelo festival ao ator Vittorio Gassman, morto há dois meses, lembrado no Lido com uma única e tímida projeção de Di Padre in Figlio" (filme que rodou em companhia do filho Alessandro, há alguns anos), visto em uma pequena sala por 50 pessoas. A grita foi geral. Mesmo porque Gassman era amado na Itália e em todo o mundo que preza o cinema. Quem o esquecerá em filmes como O Incrível Exército de Brancaleone ou Nós Que Nos Amávamos Tanto? Todo mundo botou a boca no trombone e, mais que todos, a viúva de Gassman, Dilleta D'Andrea. O ator Paolo Villagio (de A Voz da Lua, de Fellini), que está no Lido defendendo Denti, de Gabrielle Salvatores, foi ao nervo da questão: disse que, com essa desfeita a Gassman, o festival mostrara de forma exemplar sua natureza provinciana e servil para com os norte-americanos. O diretor da mostra, Alberto Barbera, procura apagar os incêndios e promete que Gassman será lembrado de forma adequada no fim do evento. Não explicou como. No plano propriamente cinematográfico, cabe dizer que o grande filme, aquele que se transforma no favorito de um festival, ainda não apareceu. No entanto, não se pode dizer que o nível esteja abaixo do esperado. Denti, de Gabrielle Salvatores, aposta no humor negro ao contar a história de um homem (Sergio Rubini) que investiga o próprio passado a partir dos seus incisivos. Raoul Ruiz, com Les Fils de Deux Mres, desenvolve uma trama fantástica, a de um garoto que resolve trocar de mãe. The Man Who Cried, de Sally Potter, uma história romântica, correta e bem realizada, ganhou a mais sonora vaia do festival até agora. Explicação possível: o personagem italiano, interpretado por John Turturro, é o vilão da história. Um vilão bem velhaco e com cara de palhaço. A sala Palagalileo, com suas quase 2 mil poltronas tomadas, urrou no final. Decepcionante, mesmo, é o mais novo Takeshi Kitano, Brother, seu primeiro filme rodado e produzido nos Estados Unidos. Kitano, vencedor em Veneza/97 com Hana-Bi, é conhecido por sua mescla poética entre violência e ternura. Na nova fase, deixou a ternura de lado e partiu de vez para a porrada - que é o que dá mais dinheiro mesmo.
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