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Filme italiano decepciona em Veneza



Assim que terminou a exibição de Il Partigiano Johnny, de Guido Chiesa, fez-se silêncio no cinema e em seguida veio o grito de um espectador: Vergonha! Depois, mais silêncio, e um ou outro aplauso tímido. Essa foi a reação, entre irada e decepcionada, ao terceiro filme italiano em competição no 57.º Festival de Veneza. Os dois anteriores, I Cento Passi e Denti(Teeth), tiveram recepção diferente. O primeiro foi aclamado, o segundo pelo menos dividiu as opiniões. Il Partigiano Johnny, pelo jeito, será uma unanimidade negativa.

No entanto, o filme (em teoria política), de Chiesa, não é nenhuma aberração. Mas entende-se a reação contrária. O diretor retorna mais uma vez a um tema caro aos italianos - a resistência ao fascismo durante a 2.ª Guerra Mundial -, mas o faz sem acrescentar nada ao que já se sabe, ou se sente, a respeito. Baseado no romance de Beppe Fenoglio, conta a história de Johnny (Stefano Dionisi, de Farinelli), estudante universitário que decide unir-se aos "partigiani" e lutar contra os seguidores do Duce.

O tom é nada menos que hagiográfico e se pretende, na aparência, ser uma espécie de barragem contra o revisionismo recente que cerca a saga dos resistentes durante o conflito. O tema, como se sabe, é polêmico. A Itália fazia parte do Eixo, com Alemanha e Japão, mas no entanto produziu forte oposição interna ao regime de Mussolini. Alguns diretores já foram fundo nas raízes de cumplicidade entre a população e o fascismo. Basta citar como exemplos O Conformista ou A Estratégia da Aranha, ambos de Bernardo Bertolucci.

O caminho de Chiesa é outro. Lá, onde Bertolucci busca a dificuldade e as contradições, Chiesa procura o lugar-comum. Produz um filme correto, de boa realização, com muitas cenas de combate e pouca reflexão. Não avança nem recua na análise desse fato histórico. Por isso finalmente decepciona, e cansa, com seus intermináveis 135 minutos. Dá tratamento acadêmico a um tema que mereceria mais criatividade, invenção, ousadia, em suma. Em defesa do filme, Chiesa afirma que procura atualizar uma história já antiga, "e que, infelizmente, é desconhecida pela maior parte dos italianos jovens". Seja. Talvez o didatismo seja necessário, mas não costuma dar resultado estético.

Cuba
Mais interessante, mas ainda assim não inteiramente convincente é Before Night Falls, de Julian Schnabel (o mesmo de Basquiat), também baseado em fatos reais. Fala da vida do escritor cubano Reinaldo Arenas (no papel, o espanhol Javier Bardem), que nasceu no interior do país, criou-se na revolução de Fidel Castro, mas foi engolido por ela, ao se comprovar sua homossexualidade que, aliás, nunca fez questão de esconder. Arenas conseguiu publicar um único livro na ilha, Celestino Antes del Alba. Depois, conheceu a mão forte da censura. Caiu em desgraça quando mandou para fora do país o manuscrito de El Mundo Alucinante, que foi publicado na França. O regime considerou o ato um desafio político e Arenas foi encarcerado. Solto depois de dois anos, saiu do país e morreu de aids nos Estados Unidos.

Não há muito o que discutir sobre a natureza desse caso. Liberdade de expressão e direito de ir e vir são valores absolutos e não cabe questioná-los no umbral do milênio. São bens adquidos da humanidade. No entanto, não seria demais a Schnabel um mergulho mais consistente na realidade cubana pós-revolucionária, quando o novo regime se afirmava e, para o bem ou para mal, alcançava grande apoio popular. A intolerância contra homossexuais é uma das chagas do governo de Castro, que se eterniza no poder, e Reinaldo Arenas tornou-se símbolo da luta pela liberdade de opção sexual. Não custaria que seu personagem fosse construído de maneira mais problemática. Nem que tivesse contra si um pano de fundo histórico mais complexo. O filme ganharia com isso. E a denúncia que pretende fazer, também. Mas parece difícil convencer diretores de cinema de que o maniqueísmo é, afinal de contas, uma frágil arma de persuasão.

Ousadia
Dos três filmes apresentados hoje, o mais matizado é The Goddess of 1967, da chinesa de Macau, radicada na Austrália, Clara Law. A "deusa", de que fala o título, é uma máquina rara: um Citroen 1967. Uma jóia para colecionadores, em torno do qual gravitam os personagens: uma garota cega, vítima de abuso sexual na infância e um rapaz japonês, que vai para a Austrália tentar comprar a raridade sobre rodas. A história ganha dimensão de um road movie existencial pelo interior australiano, narrado com inventividade formal e fotográfica pela diretora. Inventividade que, às vezes, parece um tanto forçada e preparada para ser exibida em festival.

Mais um astro desembarcou no Lido: Jon Bon Jovi chegou para apresentar U-571, filme de Jonathan Mostow que se passa em um submarino durante a 2.ª Guerra Mundial. Bon Jovi faz o radiotelegrafista da engenhoca, num filme que ganhou atualidade com o desastre recente do submarino russo. Mas quem tem encantado os jornalistas em Veneza é o diretor francês Claude Chabrol, sempre acompanhado de sua atriz Isabelle Huppert. Chabrol faz parte do júri e está exibindo fora de concurso seu novo longa, Merci Pour le Chocolat.

Cheio de energia e dono de um bom humor invencível, Chabrol, um dos pais da nouvelle vague, conta por que resolveu não colocar seu filme em concurso: "É que se eu competisse ficaria só três dias em Veneza; fazendo parte do júri posso passar dez dias na cidade", afirma, rindo. Seu filme é um thriller temperado com doses generosas de humor negro.

Quando lhe perguntam a semelhança entre sua estética nesse trabalho a de mestre Alfred Hitchcock, responde: "Não havia escolha, pois o roteiro previa muitas cenas de escadaria e ninguém filmou escadas como o velho Hitchcock." Sobre a sua escolha preferencial por Isabelle Huppert para interpretar assassinas, foi claro: "Ela tem um semblante criminal nato, assustador, dissimulado", diz. "E já preveni o marido dela sobre isso." (Agência Estado)

 

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