A empatia que Harrison Ford esbanja no cinema não sobrevive fora das telas. Pelo menos foi o que aconteceu no encontro do ator com a reportagem da AE, em Veneza, onde ele promoveu o filme Revelação, que estréia em São Paulo. Bastou mencionar a palavra astro para deixá-lo ligeiramente irritado. Não sou movie star. Sou apenas uma ferramenta que ajuda o diretor a contar uma história, esclareceu Ford, que fez questão de parecer desinteressante.
"Não é mau humor. Eu só não me vejo como uma pessoa mais importante do que sou." Visivelmente desmotivado a falar sobre Revelação, projetado fora de competição no 57.º Festival de Cinema de Veneza, Ford deixou claro que apenas cumpria a agenda de entrevistas organizada pela distribuidora Fox. O ator de 58 anos nem se empolgou ao falar da quebra da imagem de herói, já que o seu novo personagem é um cientista inescrupuloso. O termo herói, aliás, é outra coisa que o desagrada.
No único momento divertido da entrevista, concedida no hotel Excelsior, Ford criticou o comportamento das personalidades de Hollywood que deixam "o sucesso subir à cabeça". "Eu nunca vou deixar a minha inteligência sucumbir ao meu ego, o que é uma benção para o público. Do contrário, vocês teriam de aguentar o meu CD de Natal", brincou o ator, que vestia camisa e calça jeans.
AE - O que te levou a abandonar os personagens heróicos?
HF - Não considero heróis os meus personagens anteriores. Você interpreta um advogado, um médico ou um policial. Aqui, ele é um cientista. Se ele se comporta bem ou não é outra história. O ator simplesmente ajuda a contar uma história de acordo com o comportamento de seu personagem. Embora o público possa qualificar o cientista Norman como vilão, isso não existe. Ele é uma pessoa que, naquela situação, faz as coisas do jeito que faz.
AE - Como você explica a sua empatia com o público, que torce por seus personagens em qualquer gênero seja aventura, ação ou romance?
HF - Eu simplesmente tive a sorte de trabalhar com bons contadores de história. E depois de tantos anos fazendo filmes, eu aprendi a ser útil no processo. Acho que o mais importante é a qualidade do filme. Ele deve ser capaz de despertar o interesse do público. Se o espectador não gostar da história, dificilmente ele vai querer me ver.
AE - Você acredita mesmo nisso?
HF - Sim. Sou simplesmente uma ferramenta. Reconheço que quando o ator tem um histórico, quando ele acostuma a platéia a um tipo de experiência emocional, o público parece desenvolver uma relação com o ator. Mas isso não pode conferir ao profissional mais importância do que ele tem. Insisto que não passamos de assistentes no processo de contar uma história. E eu não me sinto diminuído ao me definir dessa maneira. Simplesmente não gosto de jogos intelectuais.
AE - Mas e o peso do seu nome nos créditos? Não se sente carregando o filme nas costas?
HF - Eu frequentemente carrego o filme nas costas, na medida em que o sucesso do título depende do sucesso do meu personagem. Ou seja, da minha habilidade interpretando esse personagem. Mas não é um fardo. É um trabalho.
AE - Você é um ator difícil de dirigir?
HF - Acredito que não. Até porque eu gosto de ser dirigido. Nunca me imponho e tento ser parte do processo. Por isso não trabalho para diretores que eu não respeito. Só aceito um papel se acho que o diretor será útil para a minha carreira. Mas, ao mesmo tempo, não sou o tipo de ator que só se interessa pela parte que lhe cabe. Vejo o filme como um trabalho de equipe.
AE - Nunca pensou em fazer uma comédia?
HF - Não acho que daria certo. Por mais que eu nunca tive a ambição de me tornar um ator de papéis principais, eu virei um. E quando você alcança esse estágio, há coisas que não consegue mudar. Nesse momento ninguém vai me oferecer um papel em que eu tenha de usar um nariz de palhaço. Se isso acontecer, o espectador logo vai pensar: "Ah! Harrison Ford está atuando!". E isso fará com que ele se desconcentre da história. O mais engraçado é que eu estive atuando o tempo todo, mas a platéia acha que não. Ela pensa que sou eu os personagens que interpreto.
AE - Já pensou em dirigir?
HF - Não. Primeiramente porque o trabalho não paga bem. E depois porque eu estaria trocando o melhor trabalho do mundo pelo mais difícil.
AE - Enquanto a maioria dos atores vive em Hollywood, você mora um rancho no Wyoming...
HF - Em um determinado momento da carreira, o ator deve estar disponível para os testes e fazer contatos. Como eu já passei dessa fase, não preciso mais estar lá.
AE - Como você consegue manter a sua vida pessoal fora do alcance da imprensa?
HF - Sendo basicamente uma pessoa desinteressante. A única coisa interessante a meu respeito é que eu faço filmes. É só disso que as pessoas falam comigo. Ninguém quer saber como eu decorei a minha casa.
AE - Recentemente você salvou uma pessoa. O que aconteceu?
HF - Foi uma bobagem. Eu usei o meu helicóptero para resgatar uma pessoa ferida em uma montanha. Não teve heroísmo nenhum.
AE - Nada que o fizesse lembrar de Indiana Jones?
HF - Não.
AE - E por que Indiana Jones 4 está demorando tanto para sair?
HF - Eu estou pronto para retomar a franquia, assim que alguém escrever um roteiro que agrade a todos. Há alguns progressos sendo feitos nesse sentido, mas não há nada definido.
AE - Você assiste aos seus filmes?
HF - Não. O último que eu vi foi A Testemunha (1985). Isso porque quando eu entrei na sala os meus filhos o estavam assistindo no vídeo. Como não estava fazendo nada, resolvi ficar.
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