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Como é de hábito, Woody Allen realizou a pré-estréia européia do seu novo filme em Veneza, cidade que adora. Também faz parte da tradição do festival: 1) que se formem filas imensas e haja confusão na entrada do cinema que exibe Allen; 2) que o filme, embora sempre fora de concurso, se transforme no principal assunto do dia, eclipsando os próprios concorrentes; 3) que o diretor, prudentemente, nunca venha, avesso que é a badalações. Todo o ritual se cumpriu na exibição veneziana de Small Time Crooks, primeiro trabalho de Allen produzido pela Dreamworks, empresa de Steven Spielberg. Talvez assim, sendo produzido por um dos deuses do cinema comercial, haja chance de o filme ser distribuído no Brasil, já que os dois Allens anteriores - Celebrity e Sweet and Lowdown - ainda não chegaram ao País. Acresce o fato de que Small Time Crooks é realmente um filme mais popular, uma comédia rasgada e despretensiosa, que faz lembrar os primeiros trabalhos de Allen, em especial o de sua estréia, Um Assaltante Bem Trapalhão (1971), no qual se via claramente a sua origem de comediante de palco. O novo filme é todo pontuado de gags e humor físico. As tiradas inteligentes também estão lá, mas o excesso de referências culturais parece ausente. Um Allen mais midbrow, em suma. Mas nem por isso menos inspirado. Ele mesmo interpreta o pequeno escroque atrapalhado, que planeja um assalto a banco com alguns amigos. Para financiar o golpe, tem de pedir dinheiro emprestado para a mulher (interpretada pela ótima Tracy Ullman). Para cavar um túnel em direção ao banco precisam montar um empresa de fachada, uma loja de doces na qual vai brilhar o talento culinário de Tracy. O assalto não dá certo, mas a loja sim. Logo os biscoitinhos de Tracy tornam-se a coqueluche de Nova York e o casal fica rico. O filme entra então em sua segunda e melhor parte, quando Tracy transforma-se na nova-rica típica e resolve tomar lições de cultura e boas maneiras com o espertalhão vivido por Hugh Grant. Woody não veio, mas Tracy Ullman esteve no Lido representando a equipe. Basta vê-la para saber porque o diretor a escolheu para o papel. Ela é tão engraçada ao vivo quanto na tela. Faz caretas, imita as peruas americanas, conta piadas e faz trocadilhos o tempo todo. Disse que suas falas no filme estavam todas previstas no script, trabalhado minuciosamente pelo diretor. "Acho que poderíamos improvisar se conseguíssemos inventar alguma coisa mais inteligente do que aquilo que está no texto; mas, com Allen isso é virtualmente impossível", diz. Tracy confirma que a intenção do filme é apenas divertir. Não sabe - e não quer saber - se há lá alguma "mensagem" embutida: "Cabe ao espectador decidir sobre isso", afirma. E não é muito difícil decidir. Nenhum filme de Woody Allen, mesmo aqueles em tese mais despretensiosos, deixa de ser um comentário preciso sobre algum tema. No caso de Small Time Crooks, sem dúvida, se trava um diálogo entre o diretor e a subcultura endinheirada do seu país. Se o personagem de Woody representa o americano "autêntico", aquele que dorme durante a ópera e adora beisebol, a de Tracy faz o inverso. É a nova-rica cafona, buscando uma intimidade de última hora com a "grande arte", que lhe garantiria um selo de autenticidade aristocrático. Essa falsa cultura apressada, claro, não passa de um verniz ridículo e de pouca duração. Numa das melhores cenas do filme, Tracy é chamada pelo celular quando está na platéia de um concerto de música de câmara em Veneza. Filistéia, atende ao chamado e passa a discutir com os advogados de sua empresa, para escândalo da platéia européia cultivada - e de Hugh Grant, que a assessora no contato com a boa música. Woody Allen, mesmo sendo popular, continua corrosivo e crítico, ainda que esconda as garras. E, sobretudo, continua muito divertido. Talvez não no mesmo nível de Poderosa Afrodite ou Desconstruindo Harry, mas ainda assim hilário em sua busca por um nicho maior de mercado.
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