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Nem sempre o melhor está no programa oficial. Por exemplo, o documentário Fellini Raconta - Un Autoritratto Ritrovato (Fellini Conta - Um Auto-retrato Reencontrado), de Paquito del Bosco, foi um presente para quem ama a arte de Federico Fellini. O filme, de 68 minutos, traça um perfil do cineasta com material retirado dos arquivos da Rai (Rádio e Televisão Italiana). O documentário contém de excertos da filmagem de Abismo de um Sonho, de 1952, até uma entrevista de 1975, quando Amarcord ganhou o Oscar de filme estrangeiro. Passa pela preparação de obras-primas como A Doce Vida, Oito e Meio, Julieta dos Espíritos e Satyricon. Contém ainda uma preciosidade: cenas de Block Notes di um Regista, referentes ao mítico e nunca realizado A Viagem de Mastorna, que tinha Marcello Mastroianni no papel de um violoncelista. O lançamento do documentário foi acompanhado pela publicação de um livro - Le Favole di Fellini - Diario ai Microfoni della Rai, e de um CD, com as entrevistas radiofônicas do diretor. Para o aficcionado, fica, em primeiro lugar, a impressão de que Fellini era, como pessoa, tão interessante quanto seus filmes. Seu espírito barroco, às vezes terno, às vezes debochado, irônico, frágil de vez em quando, está todo lá - ao longo de entrevistas que foi concedendo vida afora. Em alguns momentos temos o Fellini didático, que se digna a explicar ao jornalista que o entrevista detalhes da técnica cinematográfica. Mais velho, torna-se impaciente. Irrita-se com perguntas que provavelmente já lhe foram feitas centenas de vezes e sua ironia roça com o sarcasmo. Mas, de modo geral, é muito engraçado. Por exemplo, quando um repórter lhe pergunta pela repercussão de A Doce Vida, vencedora do Festival de Cannes em 1960. Fellini diz que uma das intervenções mais interessantes foi a de um espanhol que lhe perguntou, curioso, que tipo de peixe era aquele que aparece numa das cenas finais; jamais o tinha visto nos mares da Espanha e pedia que o diretor lhe enviasse um exemplar. Outra: "A coisa mais divertida aconteceu com uma senhora, que tinha um pedaço de nariz feito de ouro, e vinha a bordo de um Cadillac. Mandou o motorista parar e disse: `O senhor é Fellini? - falava com aquele nariz cintilante e uma vozinha metálica - mas, me diga uma coisa, por que no seu filme não há sequer uma pessoa normal?'" Em outra ocasião, o repórter pergunta como nascem seus filmes. Fellini: "Simples. Assino um contrato, pego uma antecipação, depois não tenho vontade de devolver o dinheiro e sou obrigado a fazer o filme." Parece uma resposta espirituosa. Ele diz que não. Que expressa uma certa psicologia italiana, a necessidade do compromisso, de ter uma uma autoridade sobre si, no caso o produtor e, assim, uma certa obrigação para poder levar o trabalho até o fim. Por trás da gozação, das respostas irônicas e incisivas, estava o homem com profundo conhecimento de si e dos outros. O artista capaz de expor um ponto de vista e em seguida o seu oposto, como se a verdade fosse essa impostura burguesa sempre procurada e jamais encontrada.
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