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Festival de Veneza encerra Mostra Competitiva


"A Ilha", de Kim Ki-Duk, um
dos concorrentes ao
Leão de Ouro em Veneza

Com a exibição de três filmes, Veneza encerrou hoje a apresentação de sua mostra competitiva. Liulian Piao Piao (Durian, Durian), do chinês Fruit Chan Kuo, La Lingua del Santo, do italiano Carlo Mazzacurati, o último dos quatro concorrentes da casa, e Fantasma, título do longa-metragem de estréia do português João Pedro Rodrigues foram os últimos concorrentes. Agora as cartas estão na mesa e o jogo está fechado. Fantasma caiu bem no último dia. Num festival de polêmicas, foi o mais escandaloso dos concorrentes, com sua apresentação explícita de cenas de sexo homossexual, inclusive um fellatio, em primeiro plano, realizado em banheiro público. Deu o que falar, quando a cobertura do festival já estava cansada e sem assunto.

Polêmicas à parte, desses três últimos concorrentes, o mais interessante é o de Fruit Chan. O subtítulo pode ou não ser uma bricandeira com o prenome de guerra do diretor: durian é um fruto misterioso, parecido com uma jaca. Ele cheira mal mas é gostoso. Pode também ser uma metáfora para um monte de coisas do filme: ele conta a história de uma garota da China continental, que vai fazer a vida em Hong Kong. Prostituição rende grana, a mesma que ela não ganharia em sua terra natal. Quando vence o visto do passaporte, ela deve voltar para casa. Tenta manter-se afastada da prostituição. O tom é semi-documental, com a câmera se esgueirando pelos quarteirões pobres de Hong Kong - o avesso da metrópole do próximo milênio que estamos habituados a ver nos cartões postais. Secamente, Fruit Chan, sem julgar ou condenar, mostra o que acontece com gente que vive na periferia do capitalismo de ponta. Um belo filme, construído com sensibilidade e emoção contida.

Já o italiano La Lingua del Santo não diz a que vem. Trata-se de uma comédia nostálgica, divertida às vezes, outras não, sobre uma dupla de assaltantes trapalhões que rouba a relíquia de um santo e exige resgate para devolvê-la. Há um traço poético envolvendo a história, pois um dos ladrões, que se dirige em "off" à platéia, é um fracassado, que perdeu emprego e mulher, e só se encontra consigo mesmo quando está num barco, no meio da laguna veneziana. O palco é esse: a região do Vêneto, a afluente Itália do Norte, a laguna, a montanha, algumas frases em dialeto, algumas alusões veladas ao separatismo, endêmico na região. Simpático, foi bem aplaudido no final da sessão. Nada disso, no entanto, justifica sua presença num festival de primeira linha como o de Veneza.

Como também não se justifica a seleção de Fantasma, de João Pedro Rodrigues, para representar o cinema português junto com o majestoso Palavra e Utopia, de Manoel de Oliveira. Ok, é ousado, o que conta pontos. Mas ousadia não é tudo na vida. Vem bem quando aliada a certa consistência. O protagonista, Sérgio (Ricardo Menezes, um estreante) trabalha como lixeiro e ocupa o tempo livre em encontros sexuais ao acaso. Há um lado documental, cru, no filme. Essa vontade de "mostrar as coisas como elas são", embora o diretor diga que deseja apresentar um ponto de vista sobre os homossexuais e não a sua verdade absoluta. Disse que quis trabalhar com a brutalidade do desejo e, para isso, usou uma forma direta. Não há, no entanto, nada que ligue muito o espectador à obra. À parte as cenas sexuais mais marcantes, o todo parece bastante descosido, sem uma estrutura interna que o justifique e articule. Rodrigues pode objetar que o desejo é assim mesmo, caótico, descontínuo, fragmentário. Mas esse tipo de argumentação serve para justificar qualquer coisa, inclusive um trabalho mal feito, e não convence.

Perspectivas
Os prêmios do 57º Festival de Veneza saem amanhã à noite. O que se pode dizer dessa edição? Primeiro, que não apresentou nenhum filme realmente excepcional, desses que certamente entrarão para a história do cinema. Segundo, que o nível médio foi bom, mas não excepcional. Filmes dignos, à parte uma ou outra aberração, que não deveria ter passado pela malha fina dos organizadores. Terceiro, que apostou mais na ousadia que na qualidade, com trabalhos duros como Fantasma, La Virgen de los Sicários e Before Night Falls - os três dedicados à temática homossexual. A escolha desse tema, predominante no festival desse ano, foi quase uma resposta (talvez involuntária) de Veneza às posições conservadoras da Igreja. Recorde-se que, recentemente, o Vaticano se opôs à realização da marcha do orgulho gay em Roma. Aliás, o papa João Paulo II foi atacado durante o festival, primeiro pela atriz Sharon Stone, depois pelo escritor colombiano Fernando Vallejo. Ambos criticaram o papa por suas posições contra o aborto e o uso de preservativos.

Um festival competitivo se define por uma hierarquia de qualidades. Na ponta da pirâmide, pode-se colocar, por exemplo, O Círculo, do iraniano Jafar Panahi, que vem despontando como favorito da crítica. Não significa que vá vencer o festival, mas seria digno destinatário de um Leão de Ouro. Com sua fina tessitura da realidade social sexista do Irã, o filme se mostra herdeiro das lições do neo-realismo italiano, as de Cesare Zavattini, em especial. Panahi segue de perto a trajetória de várias mulheres, mostrando como todas, de uma maneira ou de outra, se vêem privadas de existência social na sociedade iraniana. Um enredo coral, coletivo, no qual a protagonista seria a própria condição feminina e nenhuma mulher em particular.

Outro título cotado é o chinês Zhantai (Platform), de Jia Zhangke, retrato bastante completo, embora às vezes redundante, da juventude chinesa durante a fase de abertura do País ao Ocidente. Dispersivo às vezes, Zhantai acompanha um grupo de jovens que se vai transformando à medida em que o país se incorpora à economia de mercado mundial. Bonito filme, mas sem o mesmo rigor formal do iraniano.

Também no primeiro escalão, e candidato a algum dos prêmios, o belo Palavra e Utopia, de Manoel de Oliveira, este sim um filme corajoso, capaz de apostar em imagens plácidas, lentas, e no poder da palavra, em um fim de milênio que tende à dispersão, à velocidade e à superficialidade. Oliveira faz, para usar as palavras de um crítico local, uma espécie de "chamada à ordem" cinematográfica. Fala pela tradição, pela conservação erudita de um saber já adquirido - tanto o de Antônio Vieira, seu personagem, quanto a do próprio cinema, entendido como arte e não apenas negócio.

Dentre os quatro concorrentes italiano, o mais cotado para alguma premiação seria I Cento Passi, de Marco Tullio Giordana, sobre a história real de Peppino Impastato, jovem que morreu lutando contra a máfia. Ágil, bem interpretado, sincero e emocionado, o filme comoveu a platéia local. É um thriller político interessante e belo depoimento sobre a saga de uma geração italiana - aquela que sofre o rescaldo do liberalismo dos anos 60, enfrenta o assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, e vê os sonhos da utopia socialista se acabarem. Impastato era um rebelde. Filho de mafioso, tentou seguir caminho político próprio e foi destruído.

Il Partigiano Johnny, de Guido Chiesa, também é interessante, mas se perde pelo superficialismo como trata seu tema - a resistência italiana aos alemães durante a 2ª Guerra. Denti, de Gabriele Salvatores, é indicado para fãs do exotismo e do humor negro. Contém alguma graça, em momentos localizados, mas, como um todo, não se aguenta em pé.

Cabe ainda mencionar ainda filmes como A Ilha, de Kim Ki-Duk, Liam, de Stephen Frears, The Goddes of 1967, de Clara Law, Fils de Deux Mères, de Raoul Ruiz, La Virgen de los Sicarios, de Barbet Schroeder, e Before Night Falls, de Julian Schnabel. Seja pela radicalidade com que o tema da solidão é tratado (A Ilha), pela maturidade da realização dramatúrgica (Liam), pela inventividade (The Goddes), a elegância de direção (Fils de Deux Mères), pela intensidade (La Virgen de los Sicarios) ou pela emoção (Before Night Falls) estes filmes serão lembrados por quem acompanhou a maratona cinematográfica de Veneza. Alguns deles podem ser lembrados durante a premiação, como é o caso do ator Javier Bardem, uma bela opção pelo seu trabalho de interpretação do escritor homossexual Reinaldo Arenas, perseguido pelo regime de Fidel Castro.

E um grande mestre, como Robert Altman, sai de Veneza com as mãos abanando? É provável, mesmo porque seu Doctor T. and the Women parece um trabalho menor. Ainda assim, a comédia estrelada por Richard Gere fez a alegria dos que o viram, naquele já longínquo primeiro dia de competição. O velho e simpático Altman bem que mereceria ao menos uma menção honrosa, por tornar a vida dos comuns mortais mais suportável. (Agência Estado)

 

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