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Suassuna aprova "O Auto" de Guel Arraes
Autor elogia os atores e até as inovações incluídas no filme pelo diretor


Ariano Suassuna confessa ter ficado apreensivo quando Guel propôs incluir a referência ao clássico "Decameron", de Bocaccio, mas diz que gostou do resultado, pois a trama ficou mais movimentada.

Na época da estréia de O Auto da Compadecida em palco paulistano, em 1957, Antônio Houaiss saudava a peça dizendo que o texto subsistiria mesmo nas adaptações para rádio e televisão porque era "coisa íntegra". Mais de 40 anos depois, Ariano Suassuna, o autor, assistiu à adaptação cinematográfica de Guel Arraes e saiu com um sorriso nos lábios. "Ele soube manter o espírito da obra", comentou o escritor, crítico ferrenho das tentativas de verter sua obra teatral para outros meios. "Mesmo as novidades na trama, criadas pelo Guel, acabaram enriquecendo e muito."

Suassuna conta que foi procurado pelo diretor quando da adaptação para minissérie de televisão, produzida em película, em 1998. "Guel me pediu para acrescentar cenas e histórias de outras peças minhas como O Santo e a Porca e Torturas de um Coração", lembra. "Como são obras no mesmo estilo de O Auto, ou seja, com histórias populares, eu aceitei."

Ao elaborar a versão para o cinema, o diretor quis dar mais um passo e introduzir outras cenas, dessa vez de clássicos universais como Decameron, de Bocaccio. Nesse momento, Suassuna confessa ter vacilado, mas deixou a decisão nas mãos do diretor. "Disse-lhe que o filme era dele, portanto, podia fazer o que bem entendesse; minha peça já estava pronta."

O cuidado com a pesquisa (Guel buscou referências desde os personagens picarescos do teatro popular europeu até pequenos contos franceses do século 12) encantou Suassuna, que percebeu mais movimentação na trama com os acréscimos propostos pelo diretor.

O Auto da Compadecida nasceu da fusão de três folhetos de cordel: O Enterro do Cachorro, O Cavalo que Defecava Dinheiro e O Castigo da Soberba. Escrita em 1955, a peça tem 16 personagens e conexões com o teatro medieval, especialmente com Calderón de La Barca. Disposto a manter essa ligação literária, Guel Arraes e os outros dois roteiristas (Adriana e João Falcão) criaram uma personagem feminina, Rosinha, que não consta no original, mas faz referências aos contos de fadas, reforçando a busca por um "nordeste medieval".

A escolha dos atores, aliás, agradou o escritor, a ponto de ele apontar Matheus Nachtergaele como o melhor intérprete de João Grilo. "Sua atuação é impecável, pois consegue passar toda a esperteza do personagem, que luta contra o patriarcado rural, a burguesia urbana, a polícia, o cangaceiro e até contra o diabo", analisa.


Dignidade
Sobre a atuação de Selton Mello como Chicó, Suassuna confessa sua surpresa. O relacionamento desse personagem com João Grilo é importante para o desenvolvimento da história e, segundo o escritor, o jovem ator foi perfeito. Suassuna também ficou espantado com Rogério Cardoso, no papel do submisso padre João. "Eu estava acostumado a vê-lo apenas em papéis cômicos, mas, no filme, ele conferiu muita dignidade ao personagem."

O autor lembra, com emoção, de uma cena especial, em que o padre e o bispo autoritário (Lima Duarte) são fuzilados. "Eles conseguiram a proeza de conferir uma religiosidade superior à da peça, o que me sensibilizou muito", conta. Os personagens, aliás, são mortos pelo cangaceiro Severino, vivido por Marco Nanini, outro ator plenamente aprovado. Para Suassuna, a figura diabólica e misteriosa é recriada com precisão. "Aquele olho cego exprime toda a maldade necessária."

Finalmente, a figura de Nossa Senhora, a Compadecida, interpretada por Fernanda Montenegro, ganhou a melhor aprovação de Suassuna. "O rosto de Fernanda agora vai se juntar, na minha memória, ao de Socorro Raposo, a primeira atriz a interpretar o papel, no Recife, e que ainda hoje continua encenando, já somando oito anos ininterruptos", afirma.

Para o escritor, foi inevitável comparar a versão de Guel Arraes com as outras duas adaptações do Auto. A primeira, A Compadecida (1969), de George Jonas, era estrelada por Antônio Fagundes, Armando Bogus e Regina Duarte.

"Gostei muito da plástica do filme, sem dúvida a melhor, para mim, entre as três", elogia. "Mas não gostei de seu ritmo muito lento." Já a segunda versão, Os Trapalhões e a Compadecida (1987), dirigida por Roberto Farias, tem duas grandes qualidades: o bom ritmo e a interpretação de Renato Aragão.

"Ele, como João Grilo, é um achado."

Ariano Suassuna não se surpreende que um texto, escrito em uma época e recriado em diversas outras, continue atual. "Na verdade, o grande mérito das imagens e da movimentação da peça é ter origem nas histórias populares, ou seja, apresentar um conteúdo humano." As referências com outras obras mundiais, portanto, são imediatas. Ele lembra, por exemplo, da cena em que o padre enterra o cachorro: "Trata-se do mito do Fausto".

Há também o fato curioso do cavalo que defecava dinheiro que, no filme, foi adaptado para um gato - segundo Suassuna, a imagem já foi usada também pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes. Por isso, acredita, que a apresentação da peça em outros países não causou tanto espanto. "Essas histórias nasceram na África e passaram pelo sul da Europa e Penísula Ibérica até chegar ao Brasil", conta. "Não é de se estranhar, portanto, que sejam tão familiares a diferentes povos." (Agência Estado)

 

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