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John Waters volta a escrachar no Festival do Rio



Divine faz a pessoa mais suja do mundo em Pink Flamingos. Come cocô de cachorro no filme de John Waters que será exibido hoje à meia-noite, integrando a retrospectiva do diretor no Festival do Rio BR 2000.

Tudo pela arte - não há trucagem alguma, Divine come mesmo cocô de cachorro. Talvez seja o filme mais famoso de Waters. "É o mais famoso", ele diz. "Provavelmente será citado em primeiro lugar no meu obituário e só depois vão lembrar que fiz outras coisas." Ele prefere Female Trouble, que também integra a programação do Rio, mas é perseguido pelo culto a Pink Flamingos.

Há um culto a John Waters. Nos dois primeiros dias ele foi a personalidade mais requisitada desse festival. Jornalistas de todo o Brasil queriam seus cinco minutos de individual com Waters. Hoje ele relaxou. Permanece alguns dias no Rio, mas agora fica só pela curtição. Waters também veio prestigiar a exibição de seu novo filme - Cecil B. De Ment. É um filme sobre os bastidores de Hollywood. Um cineasta meio guerrilheiro, meio marginal, fã de Jean-Luc Godard e Pier-Paolo Pasolini, seqüestra uma diva e a obriga a interpretar um filme anti-establishment.

Stephen Dorff é o cineasta-guerrilheiro, Melanie Griffith é a diva. Desde o Festival de Cannes, no qual Cecil B. De Ment foi exibido, Waters não se cansa de dizer que o filme não é político. Não é um panfleto contra Hollywood. Claro que é, e ele sabe disso. Waters começou à margem do cinemão. Adquiriu a reputação de rei do kitsch. "Eu não era nem independente", ele diz. "Hoje em dia, todo mundo quer ser independente, naquele tempo eu era underground." Seus filmes com Divine, o lendário travesti de cento e tantos quilos, precursor das drag queens, viram objeto de culto.

Os que são poderosos hoje em Hollywood começaram a ver os filmes marginais de Waters. Transformaram-nos em curtições. Agora no poder, permitem ao cineasta fazer filmes no cinemão. Waters foi cooptado por Hollywood, mas não vendeu a alma. Continua John Waters.

É espirituoso. O set de Cecil B. De Ment foi divertido? "Depende do que você chame de diversão - para mim, isso quer dizer sexo e bebida; não, não havia nada disso no set e nesse sentido não foi divertido, mas foi amigável, produtivo, trabalhei com gente interessada, talentosa." Sexo e bebida. "O que há de melhor?", ele pergunta com o sorrisinho irônico, escancarado debaixo do bigodinho fino que é sua marca registrada.

O título Cecil B. De Ment já é parte de sua crítica a Hollywood. Autocrítica, também. Cecil B. De Mille representava o cinemão de Hollywood no que tinha de mais espetacular e ostensivo na era dourada dos estúdios. Os críticos criaram para Waters a definição de Cecil B. Demente. Ele ri. A entrevista é realizada na piscina do Copacabana Palace, o lendário hotel que abrigou as maiores estrelas de Hollywood quando vieram ao País. Conta a lenda que Ava Gardner (ou terá sido Orson Welles?) teve um acesso, após uma bebedeira e começou a jogar tudo pela janela. O repórter conta a história. "Daria um perfeito filme de John Waters", diz o diretor.

Seus filmes são assim. A definição kitsch pode não ter sido criada para ele, mas se ajusta à perfeição. A surpresa é constatar que John Waters pode fazer esse tipo de cinema, mas ele não é o seu preferido. Waters gosta mesmo é de Robert Bresson, de Michelangelo Antonioni. "Está brincando?", pergunta o repórter. Não, ele fala sério. Engata uma discussão sobre Bresson. Acha, por boas razões, que expõe com clareza, que o autor francês, morto no fim do ano passado, era um gênio do cinema. As surpresas não param por aí.

Qual é o melhor filme que Waters assistiu nos últimos tempos? Ele não pensa duas vezes. Cita o título em francês. "L'Humanité de Bruno Dumont." O filme, já exibido em São Paulo, integra a programação do Festival do Rio. "Vou fazer propaganda de L'Humanité, para que o maior número possível de pessoas o veja." Algum outro filme do qual goste muito? "Rosetta, dos irmãos Dardenne." Também está no Festival do Rio BR 2000.

Exceto nesses momentos em que fala sério sobre grandes filmes (e autores), Waters faz da entrevista um show de humor. Não tem censura e, para permanecer fiel a si mesmo, diz que, além de A Humanidade, gosta de um bom pornô. "Quem é mentiroso a ponto de dizer que não gosta?", pergunta. A gravidade volta quando o assunto é Divine. "Fomos colegas de escola em Baltimore, era meu grande amigo, meu irmão, me faz uma falta imensa." Olha para a água da piscina. Conta que, no fim da vida, Divine estava cansada(o) de fazer drag queens, um conceito que ela(ele) antecipou. "Queria trabalhar como homem, para provar que era um verdadeiro ator", diz Waters. (Agência Estado)

 

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