Nesta entrevista, Woody Allen fala sobre os bastidores do filme Celebridades. O cineasta conta por que não costuma ir à festa do Oscar, por que escolheu trabalhar com Leonardo DiCaprio e por que ninguém nunca vai decifrar as mulheres.Por que o sr. decidiu abordar o fascínio pelas celebridades em seu filme?
Porque esse é um culto que avança de geração a geração. Agora, por exemplo, nós fazemos parte de uma geração que não pode viver sem sua referência de celebridade. Tudo vira um grande circo. Se um cirurgião plástico aparece em artigos da Newsweek ou da Time, se um clérigo aparece na rede CNN, eles vão virar celebridades instântaneas. Os Estados Unidos são um país que adora o excitamento. Mas é um país que raramente se excita com a ficção. A população não vibra tanto com um musical da Broadway e sim com O.J. Simpson e Monica Lewinsky na TV. Tudo nesse país precisa ser real.
Como o sr. lida com a sua própria celebridade?
É algo completamente surpreendente para mim. Sempre foi. No começo de minha carreira, eu era um escritor que vivia isolado num quarto. De repente, comecei a fazer performances de palco. E virei um sucesso imediato. Não sabia o porquê. Não tinha idéia mesmo. Quando revejo os filmes que fiz com Diane Keaton no começo de nossas carreiras, penso que éramos dois idiotas. Mas o público se divertiu muito.
Em Celebridades, além de discutir a cultura dos famosos, o sr. lida com a insatisfação no casamento. O personagem masculino, por exemplo, que é vivido por Kenneth Branagh parece estar sendo punido por ter largado a mulher.
A insatisfação no casamento é problema universal. Alguns casam cedo, como é o exemplo do personagem de Kenneth Branagh no filme. Aos 40, o cara começa a questionar a falta de novas experiências. Eu queria mostrar o grande risco de uma situação dessas. Ou você fica preso em seu casamento e experimenta uma insatisfação permanente ou pode sair para a rua e ver o que acontece. E essa decisão sempre acarreta sofrimento. É um grande golpe de sorte encontrar uma pessoa que tenha os mesmos valores e interesses que você e ainda apresente uma compatibilidade sexual. Vira e mexe escuto algum amigo meu dizer: “Estou precisando trabalhar minha relação”. Eu acho isso um horror. Uma relação não pode ser entendida como um trabalho, e sim como pura alegria.
Kenneth Branagh faz uma performance curiosa em Celebridades. É como se ele estivesse tentando imitá-lo. O sr. pediu a ele para interpretar Woody Allen?
Não (risos). Nunca pedi para ele fazer isso. Na verdade, quando estava criando o roteiro, eu tinha Alec Baldwin em mente. Achava que o jornalista Lee Simon precisava ser um homem bonito. Kenneth deve ter ficado interessado em interpretar o personagem daquele jeito. Talvez tenha lido o roteiro e achado que eu queria que ele fizesse daquela maneira. Nunca pensei em interferir ou perguntar a razão daquilo. Estava feliz com ele me entregando a atuação. Sou um grande, mas grande admirador do trabalho de Kenneth. Minha única dúvida era se ele podia fazer sotaque de americano.
Sendo seus scripts extremamente pessoais, gostaria de saber se lida também com margens para mudanças, se acata sugestões dos atores?
Às vezes, meus atores mudam um pouco, sim. Vez ou outra, um ator chega e tem uma contribuição a fazer. Quando era mais jovem, eu protegia muito meus scripts. Mas, depois, fui descobrindo que, muito freqüentemente, o jeito que eles queriam fazer era melhor. Forçá-los a seguir uma regra seria um erro. Aprendi isso do jeito mais duro: depois de vários filmes.
O sr. entrega a seus atores somente as páginas de diálogo correspondentes a seus personagens dentro da trama. Ninguém nunca reclama de ter apenas uma vaga idéia do que vem a ser o filme em sua totalidade?
Eles não se importam. Em casos como o de Leonardo DiCaprio e Winona Ryder, em Celebridades, eles tinham 20 páginas de diálogo. Então, eles não precisam ler 120 páginas para visualizar as falas deles. Nunca nenhum deles me disse: “Tenho de ler todo o roteiro”. Gosto de manter meu filme quieto, sigiloso. Para mim, a melhor coisa é quando o filme estréia e ninguém sabe do que se trata. O público chega e julga a história pelo mérito próprio e não com o entusiasmo ou o desinteresse criado por uma publicidade prévia.
Pode comentar a escolha de Leonardo DiCaprio?
Tomei conhecimento de Leonardo no filme As Filhas de Marvin. Diane Keaton, de quem sou muito próximo, está no filme e me convidou para vê-lo alguns meses antes da estréia. Eu disse a ela: “Você está ótima, Meryl (Streep) também, mas esse garoto é maravilhoso. Nunca ouvi falar dele, mas esse garoto tem uma qualidade sensacional”. E Diane respondeu: “Sim, ele é um cara muito doce, mente legal e ótimo ator”. Quando comecei a escalar meu filme, o nome de Leonardo estava entre os elegíveis para o personagem com outros jovens atores. Mas achei que ele seria o melhor e decidi fazer-lhe o convite.
O sr. ficou surpreso com a fama súbita do ator depois de Titanic?
Fiquei surpreso pela intensidade dessa fama. Mas não de todo surpreso pelo fato de ele ter sido elevado, em idade tão tenra, à categoria de ator principal. Leonardo é um cara lindo e um grande ator. Ele não é apenas o destaque do mês. O cara é um ator legítimo.
Celebridades é apresentado em preto-e-branco. Por que o sr. resolveu filmar assim?
Rodei assim porque é bonito e não por um sentido temático. Foi estritamente porque a maioria dos filmes de que gosto é em p&b, e eu tive a chance de trabalhar com o fotógrafo Sven Nykvist. Também adoro ver Nova York monocromática.
O sr. vem escrevendo grandes papéis para mulheres. Acha que está entendendo mais do universo feminino?
Bem, não acho que ninguém nunca vai entender as mulheres. (risos) Acredito que posso, por uma estranha inspiração, escrever sobre elas. Quando comecei a fazer scripts, não podia criar personagens femininas. Tudo o que escrevia era sob o ponto de vista masculino. Sempre. A mulher era uma figura rígida, decorativa até. Mas depois, quando conheci Diane e a gente começou a namorar, aquilo teve um efeito positivo em mim, pois comecei a escrever melhor para personagens femininas. Primeiro para ela, depois em geral.
O sr. nunca compareceu à cerimônia do Oscar porque, religiosamente, toda segunda-feira, toca clarinete num pub de Nova York. Agora que a cerimônia do Oscar passou de segunda para domingo, o sr. pensa em finalmente ir?
Mas não é só pelo fato de tocar jazz que nunca fui ao Oscar. São vários motivos. Eu não gosto muito de voar. E são 3 mil milhas até Los Angeles. Também não curto esses eventos grandiosos. Quer dizer, não gosto de participar, mas adoro ver pela TV. Acho chato me vestir de black-tie. E meus colegas que sempre vão dizem que a festa é interminável. Mas a coisa que acho que ia me deixar mais deprimido é esperar pelo carro na saída. Imagina quanto pode demorar para o manobrista chegar com tanta gente saindo ao mesmo tempo? E se ele não achar o carro?
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