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O roteirista e cineasta iraniano Jafar Panahi é um dos convidados da 24ª Mostra Internacional de São Paulo. Ele chega ao Brasil na semana que vem para a exibição de seu último filme, O Círculo (Dayereh), que venceu o Leão de Ouro do Festival de Veneza, em setembro. "Pouco conheço o cinema brasileiro, mas sei das dificuldades de financiamento, como no Irã, e também de uma preocupação social", disse Panahi, por meio de uma intérprete, a reportagem. O Círculo foi apresentado nos Estados Unidos dentro do Festival de Cinema de Nova York. Ao contrário do que ocorre em relação a outras cinematografias internacionais, os americanos têm um grande interesse pelos filmes iranianos e Panahi deixou o país já com um acordo de distribuição firmado com a nova a Winstar Cinema. Panahi é um dos precursores do novo boom do cinema iraniano entre as platéias internacionais. Em 1994, ele lançava o bem-recebido longa O Balão Branco, sobre uma garota de sete anos que enfrenta uma verdadeira odisséia pelas ruas de Teerã em busca de um peixinho de estimação. Com suas histórias sensíveis sobre crianças, misturando atores profissionais com amadores; uma estrutura simples de contar e muita locação externa, Panahi, ex-assistente de direção de Abbas Kiarostami em Através das Oliveiras, tornou-se uma marca registrada do cinema do Irã. Em O Círculo, porém, o cineasta decidiu acompanhar a trajetória de sete iranianas, e mexer com tabus da república islâmica - entre eles aborto, prostituição, abandono de crianças. Tudo isso inserido no cotidiano cruel e patriarcal reservado as mulheres, que não podem viajar sozinhas, fumar na rua ou andar de carro na companhia de estranhos. A programação da 24ª Mostra exibe ainda outro filme sobre a discriminação contra as mulheres no Irã (também mostrado em Veneza). Trata-se de O Dia em que me Tornei Mulher, o primeiro filme da cineasta Marzyeh Meshkini, assistente de direção de Samira Makhmalbaf em A Maçã. Por conta do tema de O Círculo, Panahi teve problemas com a censura iraniana e o filme ainda não foi visto em seu país. "Basicamente foi um grande parto fazer O Círculo", explica o diretor. "Foram três anos muito dolorosos, que nem faço muita questão de ficar lembrando, uma vez que nasceu uma criança bonita", continua. "Foi tanta pressão que falar sobre isso pode tirar o foco principal, que vem a ser a história do filme." Enredo - O Círculo começa justamente com um parto. Ao saber que sua filha acabou de dar a luz à uma menina, uma senhora se desespera. "Mas o ultrasom disse que era um menino!", reclama a mulher para duas distintas enfermeiras do hospital. "Essa criança vai arruinar o casamento de minha filha, pois a família de meu genro esperava por um garoto." Ao sair para a rua, o drama da avó cede lugar ao de três jovens iranianias recém-indultadas da prisão e em estado de pânico. Uma delas, Arezou (Maryiam Parvin Almani), protege a mais nova, Nargess (Nargess Mamizadeh), que tem um olho roxo (o motivo dessa violência física e o porquê delas terem sido presas não são revelados) e procura desesperadamente um meio de embarcar para o interior do país. Ao ver a cópia de um quadro de Van Gogh na rua, Nargess acredita que aquela seja a imagem de seu destino final. Enquanto Maryiam é uma atriz profissional, Nargess foi encontrada por Panahi na porta de uma universidade. "É incrível a naturalidade dela numa cena em que compra uma camisa na rodoviária", explica o diretor. Mais tarde, fica-se sabendo que a terceira garota fugiu da cadeia para fazer um aborto. Outras histórias surgem, dando a idéia de uma estrutura circular. Panahi conta que "diferentes ecos" o levaram a escrever - com o roteirista Kambozia Partovi - as histórias de O Círculo. "Em meus dois primeiros filmes (O Balão Branco e O Espelho) lido com crianças e, por conta de elas serem meninas,sempre me perguntei como viria a ser o lugar delas nessa sociedade quando ficarem adultas", conta. "Ao procurar por histórias tipicamente femininas, deparei-me com uma manchete de jornal sobre uma mulher que havia cometido o suicídio depois de matar suas duas filhas pequenas", continua. "Talvez por uma falta de interesse dos leitores, o jornal nem apresentava o real motivo daquele crime." E acrescenta: "Essa história me preocupou e eu queria investigar que tipo de condições teriam sufocado aquela mulher." Revezamento - O cineasta também explica que a estrutura narrativa de seu filme surgiu por acaso, ao acompanhar as Olimpíadas de Atlanta. "Fiquei inspirado por uma das provas do atletismo: os 400 metros com revezamento, onde as atletas tinham que passar o bastão para suas colegas de mesma bandeira." Panahi terminou o último tratamento do roteiro em 1998, mas o Ministério da Cultura do Irã não foi claro na avaliação do script e a equipe não conseguiu a permissão necessária para filmar nas ruas de Teerã. O diretor precisou, então, buscar ajuda internacional: no caso, uma co-produção com a Itália. Durante a coletiva para a imprensa no Festival de Nova York, Panahi evitou comentar uma recente crítica feita por outro cineasta iraniano - Dariush Mehrjui (cujo novo filme, Banno/A Dama, também está sendo apresentado na 24ª Mostra) - de que o investimento estrangeiro é o principal responsável pela bancarrota do cinema de seu país. O prêmio para O Círculo no Festival de Veneza, pode acelerar o processo de distribuição do filme no Irã. Caso isso aconteça, Panahi poderá comprovar se o feedback de alguns membros da indústria iraniana está certo. "Todo mundo vem falando que, caso O Círculo entre em circuito, ele terá o potencial de ser um filme campeão de bilheteria do Irã."
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