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Pode-se dizer que a retrospectiva que a Mostra faz de Luis Buñuel no centenário do nascimento do diretor é abrangente. Não completa, porque faltam os títulos de sempre como Robinson Crusoé, La Fièvre Monte a El Pao e Las Hurdes. Mas, enfim, são dez filmes da fase mexicana e 11 da francesa – embora seja complicado enquadrar Viridiana e Simão no Deserto nesta última. Mas essa é uma discussão para especialistas. Para o público interessa mesmo que os filmes estão aí, disponíveis. Assistir a eles é, também, acompanhar um perfil biográfico de artista, um dos maiores do século. Buñuel nasceu em 1900, em Calanda, na Espanha. Foi estudar em Paris, em companhia de dois compatriotas que se tornariam famosos como ele: Dalí e Lorca. Influenciado pelo surrealismo de André Breton e seu grupo, Dalí e Buñuel lançam, em 1929, o seminal Um Cão Andaluz, que transpõe, para o cinema, as técnicas de escrita automática e supremacia do inconsciente propostas pelos surrealistas. Esse curta de 17 minutos tem, com A Idade de Ouro (1930), valor histórico e estético. São os dois filmes puramente surrealistas na carreira de Buñuel. O que viria a seguir seria o exercício de um estilo pessoal – que deve ao movimento inaugurado por Breton, mas também à tradição picaresca espanhola, a um diálogo criativo com Brecht e um anticlericalismo de base, arraigado em sua alma anarquista. A carreira de Buñuel começou tarde. E, além disso, sofreu interrupção nos anos em que viveu nos EUA, fugido do franquismo. Ao se mudar para o México, Buñuel vai dirigir Gran Casino, seu primeiro longa de ficção, já com 46 anos. O filme, abertamente comercial, não é lá essas coisas. Nem fez sucesso, como se esperava. Não está na mostra. Mas o seguinte, El Gran Calavera, está. Foi com essa comédia musical que Buñuel conseguiu tornar viável o projeto de Los Olvidados, uma de suas obras-primas, e seu trabalho mais marcadamente social. Premiado em Cannes, garantiu para Buñuel o prestígio internacional. E, sobretudo, tornou-o mais independente para fazer os filmes que tinha em mente. Nem sempre foram obras-primas, como é o caso de Subida al Cielo, A Ilusão Viaja de Bonde e El Rio y la Muerte, deliciosos, mas que desaparecem diante dos extraordinários trabalhos dessa fase como Nazarín, O Anjo Exterminador, Él e Ensaio de um Crime. Em Nazarín, adaptação do romance de Benito Perez Galdós, Buñuel mergulha integralmente no universo religioso para dele extrair algumas conseqüências, tal como: o que aconteceria a um homem se levasse a sério os ensinamentos de Cristo, como é o caso do personagem-título, vivido por Francisco Rabal? Da fase francesa, propriamente dita, deve-se dizer, em primeiro lugar, que engloba os trabalhos mais conhecidos de Buñuel, aqueles que são sempre reprisados e se encontram disponíveis em vídeo. São os casos de A Bela da Tarde, O Discreto Charme da Burguesia, O Fantasma da Liberdade e Este Obscuro Objeto do Desejo. Assinalam a colaboração de Buñuel com o roteirista Jean-Claude Carrière e representam aquela fase da maturidade do artista, com a sábia administração de elementos surrealistas que “contaminam”, a cada passo, a trama montada e apontam o seu absurdo. É uma obra que se desconstrói a si mesma – e a cada vez com maior naturalidade e liberdade. Mas igualmente obrigatório é o menos conhecido Diário de uma Camareira, com Jeanne Moreau, preciosa investigação da vida interior da burguesia francesa rural, o que aproxima este filme do clássico A Regra do Jogo, de Jean Renoir. A retrospectiva situa Viridiana na fase francesa. Bem, isso pouco importa, mas o fato é que o filme foi rodado na Espanha, durante o regime franquista, por concessão do ditador. A censura interveio e modificou o final. Buñuel, irônico, agradeceu a “colaboração”. Afirmava que o final dos censores era muito melhor do que o dele, mais sutil, mais inteligente. Bem, em Viridiana, como já se disse, está todo Buñuel. Mais até: está lá, resumido, o melhor Buñuel, aquele capaz de mexer com algumas idéias explosivas, como a inutilidade da caridade cristã, sem parecer, em momento nenhum, estar apresentando uma obra de tese, dessas construídas expressamente para “passar determinada mensagem” a alguém. Viridiana é construída a partir de algumas obsessões do diretor, entre elas a da donzela violentada sob efeito de narcótico. Depois, transformada em herdeira, ela resolve praticar a caridade, abrigando e alimentando um grupo de mendigos. A paródia da Santa Ceia com o mendigo cego tentando violentar a caridosa Viridiana (Silvia Pinal) é uma das cenas antológicas da história do cinema. Dessa retrospectiva, importa mesmo é a sensação experimentada durante e depois de cada um desses grandes filmes de Luis Buñuel. Primeiro, que a liberdade é um horizonte possível do homem, já que ele pode ser pensado e expresso. Segundo, que não existe arte, digna desse nome, que não contemple essa tensão entre aquilo que oprime o homem e aquilo que pode libertá-lo. Finalmente, que o cinema, hoje tão medíocre e conformado à própria sorte, pode ser, de fato e de direito, uma dessas artes. Retrospectiva Buñuel. Dia 20, às 15 horas, ‘O Discreto Charme da Burguesia’, na Sala Cinemateca. Dia 21, às 12 h, ‘El Bruto’, à meia-noite, ‘Um Cão Andaluz’, na Sala UOL. Às 13 horas, ‘O Anjo Exterminador’, no Mas. Dia 22, às 12 h, ‘La Ilusión Viaja en Tranvía’, no Cinesesc. Às 12 h, ‘Subida al Cielo’, no Cinearte 1. Às 16h15, ‘Él’, no Cineclube Vitrine. Dia 23, às 14 h, ‘O Discreto Charme da Burguesia’, no Cinesesc. Às 12 h, ‘Nazarín’, no Cinearte 1. Às 13h55, ‘El Rio y la Muerte’, às 15h45, ‘Subida al Cielo’, no Cineclube Vitrine. Às 13 horas, ‘Ensaio de um Crime’, no Masp. As 15 horas, ‘Este Obscuro Objeto do Desejo’, às 17 horas, ‘Ensaio de um Crime’, na Sala Cinemateca. Às 15 hora, ‘Él’, no Centro Cultural SPaulo. Dia 24, às 12 horas, ‘O Estranho Caminho de São Tiago’, às 13h50, ‘Simón del Desierto,’ na Sala Uol de Cinema. Às 14 horas, ‘Subida al Cielo’, no Cinesesc. Às 12 horas, ‘Los Olvidados’, no Cinearte 1. Às 13 horas, ‘El Gran Calavera’, no Masp – Grande Auditório. Às 15 horas, ‘Este Obscuro Objeto do Desejo’, às 17 horas, ‘Ensaio de un Crime’, na Sala Cinemateca. Às 15 horas, ‘La Ilusión Viaja en Tranvía’, no Centro Cultural SPaulo. Às 19 horas, ‘A Bela da Tarde’, no Cinemark – Market Place 5. Dia 25, às 14 horas, ‘Este Obscuro Objeto do Desejo’, no CineSesc. Às 13 horas, ‘A Bela da Tarde’, no Espaço Unibanco 1. Às 13 horas, ‘Los Olvidados’, no Mas. Dia 26, às 11h50, ‘L’Âge d’Or’, na Sala UOL. Às 13h55, ‘O Fantasma da Liberdade’, no Cinesesc. Às 14 horas, ‘Nazarín’, no Cineclube Vitrine. Dia 27, às 14h, ‘Diário de uma Camareira’, às 15h50, ‘O Fantasma da Liberdade’, no Cinesesc. Às 12 horas, ‘El Rio y la Muerte’, às 13h45, ‘Ensaio de um Crime’, no Cinearte. Às 14h, ‘El Gran Calavera’, no Cineclube Vitrine. Dia 28, às 15h, ‘O Anjo Exterminador’, no Centro Cultural SPaulo. Dia 29, às 16h35, ‘El Rio y La Muerte’, na Sala Cinemateca. Dia 1, às 14h15, ‘Viridiana’, e dia 2, às 12h, ‘La Mort en CE Jardin’, na Sala UOL
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