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Antes do Anoitecer, uma das principais atrações deste primeiro dia da 24ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é um retrato pungente e lírico das desventuras políticas e pessoais do escritor cubano Reinaldo Arenas. O diretor Julian Schnabel, responsável por levar às telas a história de um pintor em Basquiat - Traços de uma Vida, demonstra mais sensibilidade nessa segunda cinebiografia - com exibição hoje, às 20h20, no Cinesesc. Aqui o cineasta americano reproduz os fatos, mostrando o que acontecia com os cubanos com "comportamento subversivo" durante a revolução, mas pontua a narrativa com flashes de melancolia, em que o protagonista evoca o seu paraíso perdido. Logo na seqüência de abertura, o espectador é absorvido pelo universo do escritor, um homem amante da natureza, da liberdade e obcecado por sexo. O espanhol Javier Bardem, escalado para viver o escritor, não só se parece com ele fisicamente como o interpreta com a paixão e intensidade características de Arenas. O autor foi perseguido em Cuba por ser homossexual e por publicar livros sem autorização do governo de Fidel Castro, que considerou sua obra de estréia, Celestino Antes del Alba, uma ameaça ao regime. Com o escritor banido, seus livros posteriores tiveram de romper fronteiras. Alguns foram publicados com grande sucesso no exterior, a partir de "contrabando" de seus manuscritos. El Mundo Alucinante, por exemplo, foi considerado o melhor romance estrangeiro na França, em 1969. Ironicamente, em uma época em que Arenas vivia foragido e quase não tinha o que comer em seu país. Miséria absoluta Em uma seqüência memorável, o escritor lembra como conheceu o pai. Em um flash, em que Schnabel muda a tonalidade do filme, o protagonista conta que um dia caminhava com a mãe à beira do rio quando um homem bonito se aproximou. Ao vê-lo, a mãe ficou irada e começou a atirar todas as pedras que encontrava pelo chão. Enquanto tentava não ser atingido, o homem entregou ao menino dois pesos e saiu correndo. Só mais tarde o garoto descobriu que aquele era seu pai. Em outro momento, o filme faz o espectador visitar o protagonista em uma solitária - retratando o período em que Arenas foi levado à prisão El Morro, em 1973. Bardem, mais conhecido pelo público paulistano pelos desempenhos em Carne Trêmula e Entre as Pernas, consegue aqui a melhor performance de sua carreira. O papel até lhe garantiu merecidamente o prêmio de melhor ator no último Festival de Cinema de Veneza, em que Antes do Anoitecer ainda levou o prêmio especial do júri - depois de ser muito bem acolhido pelo público. Sexo à exaustão O número impressiona, mas Schnabel tem o bom senso de não fazer disso o mote do filme. Arenas deixa claro a sua obsessão por sexo, mas isso não é vulgarizado na tela. Até porque essa busca fazia parte da ânsia do autor por liberdade de expressão. Até passagens que tinham tudo para ser repugnantes são tratadas com respeito e até com uma dose de bom humor. Como a que um travesti ajuda Arenas a fazer seu mais novo manuscrito sair da prisão, driblando a rigorosa inspeção dos guardas. O personagem, a quem o ator Johnny Depp consegue dar um colorido especial, transporta os papéis em local nada recomendável.
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