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"Em toda parte encontro mulheres que se identificam com a personagem, quando ela é agredida pelos homens", conta a atriz Nenhum Lugar para Ir é uma das atrações desta quarta-feira da 24.ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo. Um belo filme. Austero, rigoroso. Baseia-se na história da mãe do diretor. Gisela Ensler (o sobrenome em comum é pura casualidade, não há nenhum parentesco entre Hannelore e ela) vivia na Alemanha do Leste. Era uma escritora festejada no comunismo. O filme surpreende essa mulher num momento crítico - a derrubada do Muro aguça sua fragilidade. Agredida de todas as formas, denunciada como stalinista e má escritora, ela não tem aonde ir. Talvez, por meio da personagem ficcionalizada, Roehler esteja tentando entender essa mãe que não lhe dispensou carinho, terminou por abandoná-lo e, finalmente, abandonando-se a si própria, cometeu suicídio. Hannelore diz que não pode evitar o lugar-comum. "Esse papel foi um grande presente que ele me deu." Sua filmografia inclui participações em uma centena de filmes, alguns com diretores de projeção, como Istvan Szabo e Edgar Reitz. No teatro, já representou Molire e Chekhov (A Gaivota e Ivanov). Ganhou todos os prêmios, mas nunca havia participado de uma experiência tão intensa quanto a de Nenhum Lugar para Ir. "Foi um filme barato, ninguém o fez para ganhar dinheiro, fizemos por amor." Pode-se ver esse filme como um documento histórico e social sobre a queda do Muro e a sua permanência, invisível, na Alemanha reunificada. É possível, mas Hannelore prefere vê-lo como um estudo sobre a solidão e a incomunicabilidade ou sobre a difícil convivência entre homens e mulheres. "Em toda parte encontro mulheres que se identificam com a personagem, quando ela é agredida pelos homens." Uma cena é particularmente forte - depois de vagar na noite, a protagonista entra num bar, encontra um homem que afirma conhecer seus livros, que diz que a admira, mas a agride não só verbal mas também fisicamente quando ela tenta impedir que ele toque seus seios. "Toda mulher sabe o que é isso; a maioria tem histórias parecidas de agressão para contar; a sociedade falocrática é feita do e para o homem." Oscar - O filme está sendo indicado pela Alemanha para concorrer ao Oscar. Hannelore regressa à Alemanha, mas fica lá poucos dias (ou semanas). Logo estará de volta aos Estados Unidos. Irá a Los Angeles, como parte da campanha para habilitar o filme para o Globo de Ouro. A luta por uma das cinco vagas já está deflagrada. Hannelore cita Pedro Almodóvar. Ele recebeu o Deutsche Film Prize para a melhor produção estrangeira do ano, Tudo sobre Minha Mãe, claro. No seu discurso de agradecimento, disse que Hollywood tem a tecnologia de ponta, mas os efeitos especiais que ele prefere e coloca em seu cinema são as emoções. Hannelore sente uma intenção parecida em Roehler. O filme é em preto-e-branco, uma produção quase minimalista, mas o que ela sente, não só na Alemanha, mas também depois da experiência de Chicago, é que ele consegue se comunicar com todo mundo. "Tem coração", define. Ela dispunha de um documentário sobre Gisela Ensler. Viu-o mais de uma vez. Analisou a mulher que deveria recriar na tela. Pensou consigo mesma - "Isso eu posso usar, isso eu devo, isso não." Interessaram-lhe certos gestos, mas nunca ficou presa à figura da realidade. Recriou-a como a sentia. A Gisela da ficção fuma compulsivamente, às vezes dois cigarros ao mesmo tempo. Bebe compulsivamente. Hannelore não bebe nem fuma dessa maneira, mas acha que serviu ao filme. Um dos elogios que Nenhum Lugar para Ir recebeu na Alemanha foi justamente o de captar, à perfeição, o estilo de vida da intelligentsia vermelha. "Eles eram assim, bebiam e fumavam feito doidos, mesmo".
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