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Jafar Panahi mostra como vive a mulher no Irã
Diretor de "O Círculo", premiado com o Leão de Ouro em Veneza, estará hoje na sessão

Para Panahi,
é preciso ousar
(Divulgação)

Quando Jafar Panahi teve problemas para conseguir seu visto de entrada no País, a reportagem interpelou a Divisão de Imigração do Itamaraty e ouviu do encarregado Ralph Peter Henderson que a entrada seria autorizada, mas que ele estranhava o interesse pela presença no Brasil de um homem que pertencia a uma sociedade que matava ba'hais (religiosos que pregam a união da humanidade). Panahi foi sucinto ao comentar o caso - "Trabalho com cultura, não sou político e, certamente, não sou um assassino." Não é mesmo. É um artista e um humanista, raridade nestes tempos de globalização. Panahi está desde terça-feira na cidade. Ele apresenta a sessão de hoje do seu filme O Círculo, que venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza, e, amanhã, participa de um debate sobre cinema iraniano.

O Círculo discute a condição da mulher no Irã. A narrativa segue quatro mulheres, uma história emenda na outra e todas compõem um ciclo que se fecha no final. A essa estrutura complexa soma-se também a complexidade técnica.

Logo no começo, há um plano-seqüência, quando a câmera acompanha o deslocamento de uma personagem, não muito diverso daquele, prodigioso, com que Martin Scorsese abriu Os Bons Companheiros. Panahi não radicaliza tanto.

Lá pelas tantas ele corta, para recomeçar o travelling de outro ponto de vista. Acha esse tipo de coisa perfeitamente normal.

"Para sobreviver, toda cinematografia tem de evoluir", diz. E explica sua opção - em cada episódio, as mulheres apresentam diversos tipos de comportamento. Ele tentou adequar a narrativa ao espírito de cada uma delas.

Começou com o plano-seqüência e, depois, foi mexendo cada vez menos a câmera porque a natureza e o comportamento das mulheres também mudava - elas ficavam mais passivas, menos agitadas. Trata-se, portanto, de uma adequação do estilo, e da maneira de narrar, ao personagem.

Panahi conta como teve a idéia para o filme. Na verdade, não foi uma coisa que lhe veio de repente. Seus dois primeiros filmes, O Balão Branco e O Espelho, contavam a história de crianças, mais exatamente meninas. Ele se perguntava o que acontecerá com essas meninas - conseguirão realizar seus sonhos? Foi assim que chegou às mulheres de O Círculo, para discutir a condição feminina na sociedade iraniana. São mulheres sem muitos recursos - detentas, uma mãe que não consegue criar os filhos, uma prostituta.

É uma sociedade que cria limitações para as mulheres, mas Panahi não acha que esteja falando só sobre o Irã, ou só sobre mulheres. "Em todo o mundo as pessoas vivem em círculos fechados, apenas o do Brasil talvez seja diferente daquele do Irã ou dos EUA." E ele pensa que o círculo também atinge os homens. "Ao falar sobre a discriminação de mulheres, falo também sobre o homem, que parece ser seu opressor, mas, no fundo, também é oprimido."

Um cinema humanista, preocupado com o social e o individual. Talvez esteja aí a razão do sucesso do cinema iraniano em todo o mundo. Nesta era de globalização e desumanização, as pessoas conscientes voltam-se para esse tipo de cinema mais comprometido com o ser humano, até como alternativa à dominação dos mercados pela estética de efeitos especiais de Hollywood.

Panahi ouve atentamente. Parece concordar, ou concorda, claro, mas diz que sua função e de seus colegas no cinema iraniano é fazer os filmes. Cabe aos críticos refletir sobre eles.

Há outro filme que também fala sobre a condição da mulher no Irã - A Dama, de Dariush Mehrjui, foi feito no começo dos anos 90 e só recentemente, liberado. Trata de uma mulher, de classe mais elevada, que descobre que o marido tem uma amante e passa a repensar seu papel - na vida dele e na sociedade. Panahi explica que todos os anos são feitos entre 60 e 70 filmes no Irã. Muitos tratam de temas ligados à mulher, por isso ele não acha que seu filme ou o de Mehrjui sejam exceções ou constituam uma tendência.

Seu filme também teve problemas com as autoridades do regime islâmico. Levou três anos para ser feito. Ele acha que é seu papel, como artista, refletir a sociedade em que vive. Mas é cético em relação ao alcance do cinema para mudar essa realidade. Acha que é idealismo pensar que alguns filmes vão mudar o mundo. O Círculo usa a prisão como metáfora da situação da mulher no Irã. As personagens saem da cadeia, vivem numa prisão externa e voltam ao cárcere. Panahi reconhece o círculo fechado, insurge-se contra ele e, mesmo cético, dá sua contribuição para a construção de um mundo melhor e mais humano. (O Estado de S. Paulo)

 

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