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Futuro do cinema é o formato digital



Os debates sobre cinema digital, pela 24ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, continuaram nesta quinta-feira sob inspiração de Time Code, de Mike Figgis. Mas desta vez a exibição do filme foi concluída, ao contrário do debate anterior, quando pifou o projetor digital.

Sustentáculo maior do debate, Time Code é uma experiência absurda. Quatro tomadas ao mesmo tempo, diversos personagens que se cruzam e interagem numa história sem cortes, compondo ou esvaziando seus ápices dramáticos. Uma profusão intensa de imagens, informações e sons, meticulosamente cruzados numa novela que satiriza o próprio cinema. Assim, inevitavelmente, uma série de questões se coloca sobre a obra do americano Mike Figgis, e sobre a nova linguagem que apresenta.

Estavam lá os americanos Syd Field (roteirista, consultor e escritor), Richard Guay (produtor), Jerry Carlson (professor da City University de Nova York) e a diretora brasileira Tata Amaral, para o debate Visões Sobre o Cinema Contemporâneo. E todos concordaram: trata-se de uma tecnologia que deverá, cedo ou tarde, dominar o cinema convencional.

Roteiro

A idéia inicial era a de que os três se juntassem à Tata para fazer um workshop multi-disciplinar voltado a estudantes de cinema - que de fato está acontecendo, e terminou nesta sexta-feira. Como promoção da Motion Picture Association (MPA), estes workshops têm acontecido regularmente, quase todo ano, especialmente no Brasil e no México, sob supervisão do presidente da seção latino americana, Steve Solot. "É uma maneira de refrescarmos os pólos produtivos e criativos de forma paralela à Hollywood. Sabemos que no Brasil podem formar-se bons profissionais, e é do nosso interesse estar investigando também essas possibilidades", avalia Solot.

Frente à proxima greve em Hollywood , que deverá tomar conta do cinema e da televisão em maio de 2001, formar profissionais distantes do Sindicato de Roteiristas da América passa a ser também um plano estratégico. Por isso a presença de mestres como Syd Field, uma das maiores autoridades do mundo na arte de roteirizar. Ele disse estar interessado em conhecer os textos brasileiros e, principalmente, fazer com que as novas linguagens digitais dialoguem com os métodos tradicionais.

Em seus livros - de cabeceira de nove entre dez estudantes de cinema do planeta - Field defende um dos modelos mais primordiais de construção narrativa, chamado de Diagrama Padrão de Estrutura Dramática. Simples: toda a história é contada em três atos distintos: começo, meio e fim. No começo, há um ponto de desenvolvimento para o meio, e no meio, um ponto de desenvolvimento para o fim. "Sempre foi assim e sempre será: é quase infalível. Apesar da desestrutura visual, Time Code também tem esse formato", diz Field. "Mas ainda assim, o filme de Figgis nos abre para um nova realidade. Estamos no meio de um revolução, que por meio da tecnologia digital traz novas concepções de contemporaneidade para o cinema, de maneira condicional e incondicional", conclui.

A questão do que permanece da roteirização convencional deixou poucas dúvidas. Carlson, especialista em história do cinema, separou em partes cada reviravolta que sofreu o tipo de produção escrita para cinema e o que isso acarretou. A primeira revolução (ou evolução) foram as vanguardas francesas e o expressionismo alemão da década de 20, que intrigavam o mundo com filmes como Gabinete do Dr. Caligari (1920) e La Nuit Rouge (1923). No final da década de 50 veio à tona a narrativa sedimentada na reflexão de costumes, com, por exemplo, Oito e Meio (1963) e Hiroshima Mon Amour (1959). A terceira seria agora, quando a tecnologia permitiria um processamento intenso de informações sociais, políticas e culturais. "Mas ainda assim, essa terceira onda é sempre pendular, e tende a voltar àquilo que sempre existiu e existirá como estrutura de um roteiro, que é a composição em três atos", garantiu Carlson.

Mas será que, a partir da tecnologia digital e, principalmente, a partir de Time Code, teremos abertura a um novo tipo de roteiro, que permita novas estruturas? As seqüências de Figgis quebram com o modelo usual de cortes para mostrar que duas cenas ocorrem paralelamente, ao mesmo tempo. Em Time Code, estes paralelismos não seriam expostos através de cortes mas, simplesmente, por meio da exibição simultânea de tudo que acontece em cada uma das tramas envolvidas. Field explica: "é bastante experimental. Sucedem-se acontecimentos que envolvem muito fisica e emocionalmente as personagens, sustentados por atores improvisando uma história sobre um roteiro flutuante".

Independente do governo

Outro debate que se seguiu foi relativo à acessibilidade da tecnologia digital. Mais barato de ser produzido e distribuído, o cinema digital só perde em valores quando se fala da tecnologia de projeção necessária à sua reprodução, alvo do debate do dia anterior.

Como afeta diretamente os bolsos, o produtor Richard Guay é um dos grandes entusiastas da idéia. "Eu sou perito no assunto, já que adquiri grande experiência em produzir ótimos filmes que não arrecadam um centavo", ironiza ele, referindo-se a trabalhos como Ghost Dog. "Além do meu interesse natural do ponto de vista de custos, é uma linguagem nova que vai estabelecer novos realizadores e linguagens, muito favorável à reciclagem do cinema atual. Figgis é um exemplo disso", comentou.

Essa acessibilidade torna realidade, afinal, uma superação do cinema de Hollywood pelo cinema independente e estrangeiro, conforme disseram, e esperam, os debatedores. "Viemos aqui também para ver os roteiros fora do eixo, para ler as histórias que são feitas no Brasil", diz Guay.

Ao contrário do que se esperava, os três americanos não vieram levantar a bandeira de Hollywood - peculiar, principalmente se for lembrada a supervisão da MPA. Ao contrário, são ansiosos por novidades outsider. "Hollywood só vive fazendo e distribuindo filmes porque vocês querem ver. Vocês vão no cinema preferindo isso ao cinema europeu ou independente. Eu particularmente não acho que eles sabem fazer bons filmes, o que eles sabem é vender filmes", dispara Guay, que considera o mundo digital a alternativa de democratização do monopólio filmográfico que é, sem, receio, admitido pelos três. "Mas é só uma das portas abertas para isso, e não a única aberta para isso", completa.

Guay, Carlson, Field e Tata acham que workshops como este que realizam agora devem receber mais atenção e servir como provedores organizados de roteiristas, diretores e atores. Para eles, uma institucionalização nesse sentido é bastante evolutiva. "Nos EUA, festivais colaboram muito para isso, e associações relacionadas ao cinema independente estão sempre se solidificando mais e mais", disse Carlson.

"O único equívoco que ainda acontece muito por aqui é a constante associação com o governo. Um produtor independente americano nunca se ligaria ao governo para produzir seu filme", adverte Carlson. Cientes de que a prática tem alavancado o cinema no Brasil, acham que o abuso desse tipo de incentivo pode trazer problemas a longo prazo. "Essa é ainda nossa maior desavença com o cinema francês", completa ele, reinterando: "não que eu tenha algo contra a França, mas eu produzo um programa de um canal de lá, e os conheço bastante". (O Estado de S. Paulo)

 

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