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"As Coisas Simples da Vida" é um dos filmes mais ricos da Mostra



Se o Oscar fosse honesto o vencedor teria sido... Quantas vezes você já ouviu isso? Não é só com o prêmio da Academia de Hollywood que ocorre o problema. Os júris de Cannes e Veneza também fazem suas escolhas estéticas baseados em gostos pessoais. As decisões são sempre sujeitas à controvérsia.

Por mais interessante que seja Dançando no Escuro - e o musical de Lars Von Trier é, malgré tout, interessante -, se o júri presidido por Luc Besson fosse menos deslumbrado com a nova tecnologia e mais competente, o vencedor da Palma de Ouro deste ano teria sido o filme recompensado com o prêmio de direção. As Coisas Simples da Vida é a grande atração de hoje.

Edward Yang pode ser pouco conhecido do público brasileiro, mas é considerado um nome fundamental da nouvelle vague de Taiwan. Hoje em dia, essa cinematografia é quase sempre associada só à figura de Tsai Ming-liang, o Robert Bresson do Oriente. É preciso prestar atenção no que Edward Yang tem a dizer, e na forma como o diz. Ao contrário do que sugere o título, As Coisas Simples da Vida é um dos filmes mais complexos de toda a programação da 24ª Mostra.

É o mais anti-americano dos filmes, um pouco pelo estilo, mas também e principalmente, pelo próprio tema. Embora seja difícil reduzir um filme como As Coisas Simples da Vida a um só tema - Yang fala praticamente de tudo:
medo da morte, crise do casamento, a descoberta do mundo por uma criança, solidão, angústia, desejo, ternura -, o que mais surpreende nesse filme belo e rigoroso é a serenidade, mais do que resignação, com que o protagonista descobre que não existe segunda chance, que é impossível refazer sua vida.

Nesse sentido, As Coisas Simples da Vida vai contra quase toda a estética do espetáculo de Hollywood, que celebra a segunda chance.

Em Cannes, Yang tentou, o quanto pôde, fugir ao rótulo de cineasta oriental.

Disse que o mundo, unido pela Internet, está cada vez menor e que as considerações locais são muitas vezes abusivas e equivocadas. Para ele, não importa a nacionalidade. Como artista, quer ser universal. Acha que não existem fronteiras no cinema, apenas filmes bons e ruins. Liga o desenvolvimento do cinema asiático ao desenvolvimento econômico da região e não se surpreende com a riqueza e complexidade de várias cinematografias da Ásia. Surpreende-se, isso sim, com o fato de que algumas delas não estão acompanhando o desenvolvimento das demais.

Seu filme trata de dramas familiares para fazer o inventário da sociedade taiwanesa. Todo o relato se articula em torno do personagem N.J., interpretado por Wu Nianzhen, ele próprio roteirista de diretor de expressão em Taiwan. N.J. precisa viajar ao Japão. Reencontra um amor de juventude. Só isso já bastaria para fazer o protagonista fazer o inventário de sua vida, mas o drama da sogra, que está em coma no hospital e que se reflete nos demais personagens em cena - o próprio N.J., sua mulher, a filha, o namorado da filha, a sogra e o filho mais jovem, Yang-Yang, que termina encerrando o sentido do filme, com seu belíssimo discurso final.

É como se N.J. e Yang-Yang fossem representações do mesmo homem em diferentes etapas de sua vida. Os diversos fios da narrativa articulam-se num relato que mescla humor e drama em combinações tão harmônicas que podem ser comparadas à da música. E, apesar de todas as peripécias do elenco, é outro filme em que a viagem é fundamentalmente interior, no rumo de uma consciência do ser (e do estar) no mundo. É maravilhoso. (O Estado de S. Paulo)

 

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