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24ª Mostra: Tradução emperra debate dos iranianos



Foi uma oportunidade rara - desperdiçada. O debate sobre cinema iraniano reuniu na sexta-feira à noite quatro diretores do Irã. Três deles venceram este ano importantes prêmios internacionais. Jafar Panahi ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza por O Círculo, Hassan Yektapanah e Bahman Ghobadi dividiram o prêmio Caméra d'Or, para diretor estreante, em Cannes, com os filmes Djomeh e Tempo de Embebedar Cavalos. O quarto diretor presente na mesa era Mahmoud Behraznia, ator de Djomeh. Ele assina o documentário Close Up Kiarostami.

Havia gente chorando no fim da sessão de Tempo de Embebedar Cavalos. Com razão, pois embora Ghobadi se recuse a jogar a carta da pieguice, seu filme apresenta mais desgraças do que qualquer outra produção recente, e não só do Irã. É o registro de uma vida difícil, o que faz diretor. Seu filme terminou quase à meia-noite, o que levou o condutor dos trabalhos, o jornalista Sérgio Rizzo, a fazer uma piada - "Alguns festivais criam a sessão da meia-noite, a mostra inova criando o debate à meia-noite."

A expectativa foi frustrada porque os quatro diretores só falam farsi (e um deles, curdo). Havia um tradutor à mesa e aí residiu o nó górdio da noite.

Nenhum debate em que a pergunta e a resposta tenham de ser traduzidas consegue engrenar. São interrupções demais. Para complicar, o tradutor não falava português e sim, um arremedo de espanhol que, às vezes, era tão impossível de entender quanto o próprio farsi.

Mas deu para historiar um pouco a formação do cinema no Irã, as condições específicas desses filmes que fazem sucesso de crítica em todo o mundo, não necessariamente no Irã. Uma das cenas do documentário sobre Kiarostami mostra as reações negativas do público na saída de uma sessão de Gosto de Cereja em Teerã. Behraznia explica que não quis fazer um filme puramente laudatório. Quis ser polifônico, dando voz aos que discordam do autor que costuma ser chamado de sublime.

Ausente da mesa (e da programação deste ano), Kiarostami ocupou boa parte do debate. Todo mundo queria destacar sua grandeza. Surgiram as revelações curiosas. O sucesso internacional do cinema do Irã, os prêmios que recebe nos mais importantes festivais de todo o mundo, nada disso sensibiliza muito as autoridades iranianas. Muitos filmes premiados já foram proibidos ou, pelo menos, tiveram sua circulação dificultada no país.

Panahi reafirmou o que já havia contado ao Estado. Demorou três anos para fazer o filme por causa da censura islâmica. Agora que O Círculo foi premiado em Veneza, tem a promessa de que será lançado em uma sala. A surpresa é que, paralelamente ao cinema iraniano de arte, há uma produção comercial, com astros e estrelas locais, que agrada mais ao público.

Yektapanah disse que a alegada pobreza técnica do cinema iraniano resulta, muitas vezes, de um trabalho de elaboração que pode tomar anos.

Sem dúvida que o país não pode competir com a tecnologia de ponta de Hollywood, mas nem é o caso. O cinema iraniano quer ser pobre, até como forma de expressar o país. É uma pobreza assumida e intencional. Isso de certa forma entra em contradição com o que Panahi disse, explicando o plano-seqüência no início de O Círculo. Para Panahi, toda cinematografia tem de evoluir, técnica e esteticamente, para sobreviver.

Yektapanah parece insistir na manutenção de certos postulados básicos. Isso também ocorreu na Itália, na época do neo-realismo, que é uma das fontes do cinema iraniano. O neo-realismo mudou, teve de mudar, apesar das resistências. O tempo vai dizer como serão as mudanças no cinema do Irã. (O Estado de S. Paulo)

 

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