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Qual é o maior problema do cinema polonês na atualidade? Jerzy Stuhr, ator e diretor de um dos melhores filmes já exibidos na 24.ª Mostra, Uma Semana na Vida de um Homem, e também de outro que será exibido nessa terça-feira, O Grande Animal, não vacila - "É a luta pela preservação de nossa identidade." Os últimos dez anos foram marcados por mudanças profundas na sociedade polonesa. O cinema americano ocupou o mercado de forma quase integral, deixando pouco espaço para a produção nacional. A situação deve complicar-se ainda mais com o desenvolvimento do conceito dos multiplex, que estão sendo construídos nas maiores cidades do País - para abrigar a produção americana. "Os veteranos estão morrendo, como Krzysztof Kieslowski ou então se dedicam à adaptação um tanto acadêmica de clássicos da literatura, como Andrzej Wajda; os jovens que se iniciam na direção estão imitando Hollywood", diz Stuhr. Nesse quadro, ele faz o que se poderia chamar de cinema de resistência. Insiste em manter acesa a chama de um cinema polonês inquiridor da condição humana. Não deixa de ser uma herança de Kieslowski, com quem ele começou, nos anos 70, e fez seis filmes, sempre como ator. "Krzysztof me ensinou tudo o que sei sobre técnica", explica Stuhr. "Nós dois nos interessamos pela pessoa humana, temos preocupações identicamente humanistas, mas a semelhança termina aí - Krzysztof faz um cinema mais metafísico; eu sou realista, gosto de construir meus filmes em cima da observação dos pequenos detalhes da vida cotidiana." Uma Semana na Vida de um Homem é representativo das intenções do diretor. Segue a linha de Love Stories (Histórias de Amor), seu primeiro longa, vencedor do prêmio da crítica no Festival de Veneza, há três ou quatro anos. Stuhr acumula, com a função de diretor, a de ator protagonista. Diz que é um ator muito conhecido na Polônia e isso facilita bastante as negociações para conseguir dinheiro para a produção. Às vezes ele tem vontade de colocar outro ator no seu papel, mas termina desistindo porque sabe que faz um cinema na primeira pessoa - "O que eu penso, sinto, o que quero dizer." Acrescenta que não se trata de nenhum exercício de egocentrismo, mas sempre procurou esse tipo de expressão total. Nunca ficou satisfeito de ser só ator. Queria a responsabilidade que vem com o cargo de diretor. Escreve seus filmes sempre tendo em vista o ator ou a atriz para o papel. Sabe do que eles são capazes, até onde conseguem ir - os atores. Sente-se um pouco menos confortável escrevendo para mulheres. Espera que elas, mais do que os atores, tragam sua contribuição para iluminar os dramas que focaliza. Uma Semana na Vida de um Homem acompanha um homem em crise. A câmera segue o protagonista numa semana particularmente infernal, em que ele, advogado intransigente e famoso, enfrenta todo tipo de problema. Sua mãe está morrendo no hospital, ele precisa de dinheiro para comprar uma casa, treina intensamente para uma apresentação do coral de que participa e ainda enfrenta dificuldades com a mulher e a amante. Surge uma terceira mulher em sua vida e ele não consegue resistir porque, como diz, "sou homem". Termina confrontado com uma situação que o desestrutura, expondo a fragilidade do seu mundo psíquico. O desfecho é memorável - uma repórter de TV lhe pergunta por que canta. Ele diz que canta para se sentir melhor. Talvez seja o seu lado cristão, mas Stuhr quer acreditar na decência, na possibilidade de uma vida melhor e mais humana. Insurge-se contra o materialismo, o egoísmo, tudo aquilo que afasta o homem dessa sonhada possibilidade de harmonia e felicidade consigo mesmo. Numa cena o protagonista vai à igreja. Confessa-se, toma a comunhão. Como bom polonês, Sthur diz que é um homem religioso, mas critica a atuação da Igreja. "Tenho problemas com a Igreja porque não aceito a maneira como ela se imiscui na política." O filme já esgotou seu ciclo na mostra. Quem não viu Uma Semana na Vida de um Homem, perdeu um belo trabalho, mas pode contar com o lançamento da obra nas salas, numa distribuição do selo Mais Filmes. O Grande Animal é o outro filme de Stuhr que integra a programação - talvez desperte mais curiosidade, ainda. Baseia-se num roteiro que Krzysztof Kieslowski escreveu nos anos 70 e só foi descoberto em 1998. Quando os produtores lhe fizeram a oferta, Stuhr não resistiu. Partiu do material de Kieslowski, mas não fez um filme de Kieslowski. Fez um filme dele, Jerzy Stuhr. Mas reconhece a diferença. O Grande Animal trabalha num universo mais simbólico do que seus outros filmes, mesmo que ele procure enquadrar a trama kieslowskiana no seu universo cotidiano de pequenos gestos. Um homem e seu camelo - quais os laços que podem unir duas criaturas tão diferentes? O camelo é fundamental, está na essência da trama (e do drama). Mas o que interessa a Stuhr é o homem. Ele conseguiu imprimir sua marca no filme.
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