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O diretor chileno, radicado na Suécia, Luis Vera, veio ao Brasil para apresentar o que seria a primeira projeção em digital no País, que ocorreria na sexta, na Mostra. Por problemas técnicos isso acabou não ocorrendo, já que o projetor não ficou pronto a tempo e seu filme, Bastardos no Paraíso, foi exibido na versão kinescopada, ou seja, convertida de digital para película. "Por sorte, trouxe as duas versões", conformou-se Vera, que foi avisado pela reportagem do Estado minutos antes de falar ao público, na abertura da projeção. Mas o filme de Vera tem seus méritos independentemente do interesse que a projeção digital desperte. O diretor segue alguns mandamentos do Dogma-95, movimento criado pelos dinamarqueses que prega uma espécie de volta às raízes do cinema, com câmeras na mão, uso de luz ambiente, ausência de zoom ou travellings etc. A bem da verdade, isso equivale a comprar um Fusca, quando, pelo mesmo valor, seria possível comprar um Corsa com ar condicionado e vidros elétricos. Mas o diretor não se considera um seguidor fiel do movimento. "Acho que a música é parte integrante da narrativa e querer abrir mão dela seria quase o mesmo que fazer filmes mudos", afirma. Exceto pela música, toda a estética do Dogma-95 está presente em Bastardos do Paraíso. Vera acha que o cinema digital veio para ficar. "Por ser mais barato, o filme digital permite mais independência para os autores, o que abre novas perspectivas de idéias, histórias, enfoques e enquadramentos não necessariamente comerciais." Depois de ter feito três longas-metragens em película, ele se diz satisfeito com os resultados do digital e deve seguir trabalhando no formato, que também é conhecido como numérico. Segundo o diretor, a transição da película para o digital é simples. A maior dificuldade é trabalhar com a ausência da profundidade de campo, já que a câmera digital deixa todos os planos bem focalizados. "Eu recomendo que os diretores procurem fotógrafos que conheçam bem o cinema digital, mesmo que eles não tenham experiência em película", explica. Muitos diretores e fotógrafos que estão começando a trabalhar com o cinema numérico afirmam que é preciso reaprender a lidar com a luz, para trabalhar com câmeras digitais, que conseguem imagens mesmo praticamente no escuro. "Não senti diferença no uso da luz, já que só uso luz natural ou a iluminação do ambiente." A maioria das câmeras digitais são pequenas e portáteis. Isso permite novos e inusitados movimentos de câmera. Em Bastardos no Paraíso isso se evidencia. Em uma cena na danceteria, a câmera dá ao espectador a nítida sensação de estar no lugar, esgueirando-se entre as pessoas. Também permite locações em ambientes apertados, como alguns inferninhos que os adolescentes freqüentam. Mesmo ali, a câmera movimenta-se com uma desenvoltura impensável com uma Arriflex de película de 35 milímetros. Por enquanto, são apenas pequenas boas soluções e idéias que apontam caminhos para o futuro uso do digital, da mesma forma como ocorre em alguns filmes do Dogma, como Os Idiotas e Festa em Família. Ainda falta surgir uma obra que irá tornar-se referência, usando todas as possibilidades que a nova linguagem oferece. Algo como Orson Welles fez em Cidadão Kane. Preconceitos - A história de Bastardos no Paraíso é autobiográfica. Os personagens, bem como o diretor, são imigrantes que procuraram a Suécia por causa de problemas em seus países. São turcos, africanos e outros. Lá, enfrentam preconceitos e são obrigados a morar em guetos formados em bairros periféricos. "Esses bairros são verdadeiras Torres de Babel, mas mesmo imigrantes de nacionalidades rivais acabam tendo de se unir contra a intolerância." Esses imigrantes sonham em ganhar algum dinheiro e voltar para seus países. "O problema é que seus filhos nasceram na Suécia e, apesar do preconceito, criaram raízes ali e não querem sair", explica Vera. O mesmo acontece com as duas filhas do diretor, América, de 23 anos, e Libertad, de 19, que também nasceram na Suécia e nem pensam em morar no Chile. O diretor conta que tem uma relação forte com o Brasil. Em 1962, durante os treinos da equipe da seleção canarinho para a Copa do Mundo, no Chile, seu pai tirou uma foto do então menino Vera com o massagista Américo, usando a camisa que sairia daquele país consagrada como bicampeã do mundo. "Desde garoto, via aquela foto na parede de casa e sonhava em conhecer o Brasil", lembra. Isso acabou se realizando no réveillon do ano passado, quando ele passou no pequeno vilarejo de pescadores, próximo a Tubarão (SC). "Gostaria muito que meu filme fosse exibido comercialmente por aqui." No início dos anos 70, Vera trabalhava em curtas-metragens nos estúdios da Chile Filmes e no grupo de cinema experimental da Universidade do Chile. Tudo ia bem até que o general Augusto Pinochet decidiu reunir o Exército, dar alguns tiros e soltar bombas no Palácio de La Moneda, sede do governo chileno, tomando o poder, assassinando o presidente eleito, Salvador Allende, e iniciando uma das mais longas ditaduras da América Latina. Suécia - Como militante de esquerda, Luis Vera teve de fugir. Inicialmente, procurou o Peru, onde, durante um ano, trabalhou como fotógrafo e documentarista. A seguir, a situação começou a ficar difícil no Peru (como, de restante da América Latina) e Vera procurou a então socialista Romênia, onde ficou por cinco anos. "Aprendi a falar romeno fluentemente e me formei em cinema e televisão pela universidade de Bucareste", afirma. Em 1979, cansado do socialismo romeno, foi para seu terceiro exílio: a Suécia. "Foi lá que encontrei condições para desenvolver uma filmografia, ainda que a duras penas." Em 1988, escreveu e dirigiu Consuelo, uma co-produção entre Suécia e Chile, a primeira da história (Bastardos no Paraíso é a segunda). Em 1992, escreveu e dirigiu O País do nunca jamais, documentário sobre a história do Paraguai. Em 1994, escreveu e dirigiu Miss Amerigua, primeira co-produção sueco-paraguaia da história. Em Bastardos no Paraíso, ele faz uma ponta como mendigo no metrô, no melhor estilo Hitchcock. Sua mulher, a ex-modelo Raquel Baeza, faz um pequeno papel como a dona de um cabaré envolvida com drogas e prostituição. Ao contrário de seus personagens, o diretor conseguiu enfrentar os preconceitos contra imigrantes. Hoje ele é diretor da TVL-Estocolmo, consultor da Unesco e leciona na universidade de Estocolmo. Vera não pode se queixar da sorte.
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