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O imaginário do nordestino está no documentário "2000 Nordestes"



No fim de 1998, a revista IstoÉ publicou reportagem sobre um casal de paraibanos decidido a migrar para o Rio. Cícero e Rose Ferreira e seus seis filhos - o caçula com cinco meses, o mais velho de 14 anos - dispunham apenas de quatro bicicletas para cobrir 3.200 quilômetros que, acreditavam, separaria a miséria nordestina da bonança do sul maravilha.

Vicente Amorim, veterano assistente de direção de 23 longas e diretor de filmes publicitários, interessou-se pela história, "uma mistura de Brancaleone, Vidas Secas e Bye Bye Brasil na virada do milênio", e não perdeu tempo: escreveu um argumento, logo encampado pela produtora de Luiz Carlos Barreto, e chamou David França Mendes para desenvolver o roteiro do longa que tem como título provisório A Caminho das Nuvens. Como ponto de partida, Amorim e França Mendes decidiram refazer o percurso da família. O resultado dessa investigação ganhou vida própria como o documentário 2000 Nordestes, que terá nesta terça sua última exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, às 18h25, no Centro Cultural São Paulo.

A bordo de um Palio 1000, Amorim e França Mendes, e o fotógrafo Rodrigo Monte percorreram 4 mil km e cruzaram cinco Estados (Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia) até a diáspora de nordestinos no Rio e São Paulo. Com uma câmera mini-dv VX-1000 Sony captaram mais de 30 horas de material e entrevistaram 200 pessoas.

A escolha do suporte digital não teve apenas razões econômicas (2000 Nordestes foi o primeiro longa inteiramente kinescopado no Brasil na Mega Filmes, cuja empresa irmã Tibet Filmes é co-produtora com a Filmes do Equador, de Lucy e Luiz Carlos Barreto). "Queríamos fugir de documentários sociológicos e etnográficos. Não queríamos provar nada, nem tínhamos tese a defender. Saímos apenas com um roteiro geográfico, sem idéias preconcebidas.

Nossa intenção principal era entrar em contato com o imaginário do nordestino de hoje e um equipamento leve facilita esse contato", explica Amorim. Na busca da autenticidade, sacrificaram inclusive a compreensão de algumas falas: "Os personagens valiam pela carga de expressão", justifica França Mendes, que define o resultado como um documentário "impressionista".

Amorim complementa: "É tecno-pop-impressionista."

Nessa mistura, sem menção à motivação original, o imaginário do nordestino do fim de milênio jorra através de depoimentos nos quais os entrevistados falam de suas aspirações (ser artista, ver a família de barriga cheia), decepções (emprego não tem, mas desemprego tem de sobra), crença (Deus zela por tudo), afetos, lazer, e também da necessidade de deixar a própria terra em busca de uma vida mais digna.

França Mendes acredita que a experiência foi fundamental para a realização do roteiro de A Caminho das Nuvens, já concluído. "Por não termos vivência do Nordeste, achamos que essa viagem seria uma forma de combater clichês e estereótipos do nordestino, que eu conhecia basicamente por livros e filmes.

Embora o roteiro seja inteiramente ficcionado, muitos entrevistados inspiraram personagens da ficção." Para Vicente Amorim, a viagem teve como ganho maior a possibilidade de evitar vexames como Orquídeas Selvagens ou, mais recentemente, Sabor da Paixão (Woman on Top), equívocos freqüentes quando "se aborda desejos de quem não se conhece". E exemplifica:

"Encontramos uma região muito diferente da que conhecíamos de Vidas Secas e Deus e o Diabo na Terra do Sol (aliás, cenas dos dois filmes intercalam os depoimentos atuais). O Nordeste é muito menos óbvio e mais pop do que se imagina, com uma capacidade de deglutir a cultura de massa de forma muito diferente da que ocorre no Rio e em São Paulo."

Amorim e França Mendes já trabalharam a quatro mãos durante a co-direção do curta Vaidade!, melhor direção em Gramado em 1990. E estão com a mão na massa para A Hora Errada, desta vez com direção de França Mendes e roteiro de Amorim, um mix de site, sitcom e longa-metragem que será concretizado depois de filmada a saga dos nordestinos, "se tudo der certo, em meados do primeiro semestre".

Quanto a Cícero e Rose, entrevistados quando chegaram ao Rio depois de cinco meses de viagem, já retornaram à Paraíba - de carro - comprado graças à venda dos direitos de sua história para o cinema. "Esse foi o único dinheiro que eles viram em toda a viagem", diz Amorim. 2000 Nordestes será lançado comercialmente em março, pela Rio Filme. (Agência Estado)

 

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