Aos 35 anos, a atriz portuguesa Maria de Medeiros traz no currículo mais de 30 papéis no cinema, incluindo o da escritora Anais Nin em Henry & June e o da namorada de Bruce Willis em Pulp Fiction. Ainda que a sua galeria de personagens tenha cruzado as fronteiras de Portugal, com produções rodadas na Espanha, na França, no Brasil e nos Estados Unidos, ela escolheu um capítulo da história de seu país para estrear na direção de um longa-metragem. Em Capitães de Abril, uma das atrações de hoje da Mostra Internacional de Cinema, Maria de Medeiros dá um tom feminino à Revolução dos Cravos. Um dos dez mais votados pelo público, posição que o qualifica a brigar pelo troféu Bandeira Paulista, o filme reconstrói com lirismo e humor o golpe de Estado que colocou fim a 50 anos de ditadura em Portugal.
"Foi uma revolução atípica, em que os jovens militares preferiram dialogar em vez de usarem as armas. Uma característica essencialmente feminina", diz Maria de Medeiros, que está em São Paulo onde acompanha hoje a exibição de seu filme, às 20h25, no Espaço Unibanco. "Adoro vir ao Brasil. Como dizia o meu pai, esse país ainda é a maior reserva de seres humanos do mundo."
Foi o aspecto pacífico da Revolução dos Cravos que despertou o seu interesse em dirigir o filme?
Quis mostrar que a Revolução dos Cravos, aparentemente tão masculina, teve motores femininos muito fortes. Além de optar por meios mais civilizados de se impor, sem precisar recorrer à força, esse grupo de jovens tinham namoradas universitárias. E foram elas que os colocaram a par dos movimentos de resistência ao redor do mundo. Elas os inspiraram a agir.
O que lembra da época?
Tinha 9 anos, mas lembro bem. Fiquei com imagens muito fortes na cabeça e tentei aproveitá-las no filme. Foi uma revolução que mudou completamente o panorama político português, a mais longa ditaduta da Europa. Também foi uma revolução efetivamente emocional que mexeu com a minha geração.
O que faz Capitães de Abril destoar das demais produções sobre revoluções é a abordagem informal, quase anti-histórica...
Isso eu extraí dos textos do Capitão Maia, o líder, em que ele relata a sua experiência na Revolução. Os textos são apaixonantes, principalmente por retratarem a precaridade com que a revolução foi feita. Isso deu muito humor ao filme e garantiu uma reconstrução fiel ao seu espírito, sem aquele ar pomposo que as produções do gênero costumam ter. Nunca tive a intenção de fazer algo épico ou histórico. Até porque as pessoas que fazem a história nem sempre têm consciência disso.
Foi por isso que o filme foi criticado em Portugal?
Sim. Muitos portugueses ficaram chocados porque queriam o tom histório e solene. Mas eu não podia fazer isso. Foi justamente esse caráter incomum que me motivou a dirigir o filme. Não houve muitas revoluções assim.
Ela foi muito particular, não se parece com nada.
Você reuniu um elenco internacional, com portugueses, italianos, espanhóis e franceses. Isso foi estratégico para garantir a entrada do filme na Europa?
Não foi só uma decisão estratégica. Foi artística também. Queria contar essa história como um conto universal. Achei fundamental a participação estrangeira. Não só de atores como de técnicos. E o mais interessante é que, mesmo não falando a mesma língua, por serem latinos, todos se entendiam.
O público paulistano que viu Capitães de Abril na Mostra tem reclamado de não entender bem a história, por causa do português...
Já conversei com Leon Cakoff e decidimos que, quando o filme entrar em circuito comercial (com distribuição da Mais Filmes), será legendado. É fundamental que os espectadores o entendam plenamente. As gírias nos diálogos e a nossa velocidade complicam mesmo a compreensão.
O que busca na direção?
Sempre quis ser pintora. Um convite de João César Monteiro (para atuar em Silvestre) , quando eu tinha 15 anos, mudou a minha história. Eu tinha outros interesses, mas, quando me dei conta, já tinha uma carreira como atriz. Hoje vejo na direção uma oportunidade de fazer outras coisas de que gosto. Afinal, filmar é uma atividade plástica, musical e literária.
Como conseguiu construir uma carreira tão internacional? Isso é um reflexo de sua facilidade com línguas?
Isso é resultado da minha educação como um todo. Cresci na Áustria, antes da revolução. Meu pai sempre viajou muito. E fui educada nesse espírito de viagem, de várias línguas, de não ter medos de outras culturas.
E, do jeito que a coisa vai, esse será o futuro. Qualquer criança na Europa aprenderá, desde cedo, a falar várias línguas.
Como foi a experiência de filmar Xangô no Brasil?
Foi uma grande responsabilidade interpretar Sarah Bernardt, um mito, uma mulher extraordinária. Mas devo admitir que a Sarah descrita por Jô Soares é muito divertida. Esse aspecto fez com que eu agarrasse o papel com todas as forças, já que são poucos os personagens femininos cômicos no cinema.
Depois do sucesso de Pulp Fiction, não quis tentar carreira nos EUA?
Nunca quis morar em Hollywood. Na época, eu já tinha tomado contato com textos sobre a Revolução dos Cravos e sabia que havia uma coisa importante que me prendia à Europa. E só me interesso por cinema de autor.
Mesmo quando trabalho com os americanos, não faço filmes comerciais. Não me daria bem atuando em ritmo industrial.
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