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Jurado da Mostra de SP fala sobre seu filme "Genet em Chatila"
Richard Dindo aceitou ser jurado da Mostra de SP só pelo prazer de conhecer o Brasi

(Foto: Marie Hippenmeyer/ AE)

Ele se considera o último remanescente de Maio de 68. O suíço Richard Dindo era jovem na época. Estava em Paris. Acompanhou toda a movimentação dos estudantes que foram às ruas fazer guerra contra o sistema, tentando mudar o mundo. Podem não ter conseguido, mas as vidas de alguns deles mudaram. A de Dindo, com certeza, mudou. Ele virou cineasta - documentarista. E trouxe de Maio de 68 a vontade de falar sobre rebeldes.

Dindo está em São Paulo como jurado da 24ª Mostra Internacional de Cinema. E também como diretor de Genet em Chatila, que terá sessão hoje. Dindo já foi jurado em outros festivais. Havia decidido nunca mais repetir a experiência. Voltou atrás pela oportunidade de visitar o Brasil. Sempre quis vir aqui. Genet em Chatila - o título é revelador. Jean Genet segue a trilha de outros rebeldes para os quais Dindo dirigiu sua câmera - o poeta Artur Rimbard, o revolucionário Ernest Che Guevara. O ponto de partida é Le Captif Amoureux, o livro póstumo que Genet dedicou à causa palestina, depois de testemunhar os horrores da repressão no campo de Chatila.

Homossexual, ladrão, mendigo, prostituto. E santo - como o chamou Jean-Paul Sartre num livro famoso que ajudou a estabelecer, em definitivo, o mito desse parisiense abandonado pela mãe solteira e entregue pela assistência pública a um casal de camponeses. Genet resolveu dedicar-se inteiramente ao mal, na teoria e na prática. A opção pelo mal definiu sua escritura. Genet foi certamente um rebelde, mas sua obra também expõe um paradoxo. Em suas obras, como "As Criadas", ele vê o rebelde como a outra face do conservador, na medida em que quer criar uma nova ordem, no fundo fadada ao fracasso, pois sempre haverá alguém descontente - um novo rebelde. Dindo considera-o um personagem fascinante. Mas, para seguir os passos de Genet na Palestina, cria uma personagem - a da garota palestina que busca suas origens tentando decifrar o enigma do autor maldito.

Genet estava sem escrever há anos quando se lançou vorazmente ao projeto desse livro. Produziu-o com urgência e por um bom motivo - estava morrendo de câncer na garganta. "O Prisioneiro Amoroso" foi publicado após a morte do autor. Dindo tem um projeto muito pessoal como documentarista. Dirige sua câmera para o passado, para personagens que já morreram. Busca recriar um tempo perdido, mas, como é impossível recriar, a menos que fosse como ficção, a saga dessas pessoas, termina fazendo documentários em que a palavra é sempre tão importante quanto a imagem.

Vem de longe essa fascinação de Dindo pela palavra. Ele sempre foi leitor contumaz. Isso talvez explique por que, na origem de cada um de seus filmes, está sempre um livro. As poesias, para Rimbaud, o Diário na Bolívia, para o Che. E Le Captif Amoureux para Genet em Chatila. Dindo não teve muita dificuldade para filmar seus palestinos. "Tinha encarregados de produção que acertaram todos os detalhes e conseguiram os vistos necessários." No livro, Genet discute mais a justeza do que a justiça da causa palestina. Pode parecer irrelevante, mas não é.

Uma das cenas mais interessantes do filme é aquela com a mulher palestina que fala sobre a necessidade de uma terra para enterrar o filho morto. Essa ligação com a terra é fundamental e ajuda a entender a tragédia dos palestinos, privados de uma pátria. A questão, Dindo concorda, é complexa.

"Os palestinos foram expulsos de seu território, mas os israelenses podem dizer que têm ligação com aquela terra desde os tempos bíblicos." Dindo gostaria de ser otimista em relação à questão do Oriente Médio, mas vê com preocupação os atuais rumos da crise entre Israel e a Organização para Libertação da Palestina, a OLP. "A atual liderança política de Israel pensa o problema do ponto de vista da religião; as guerras religiosas de longe são as piores."

Genet em Chatila já foi mostrado para os palestinos, que o aprovaram. O filme passou no Instituto do Mundo Árabe, em Paris, também com acolhida positiva. Dindo chegou a São Paulo procedente dos EUA, onde estava exibindo seus filmes numa programação especial. Diz que seus filmes atingem preferencialmente o público mais maduro. "Os mais velhos me adoram", resume.

É um cinema que discute questões políticas importantes. É o que o diretor define como o legado de Maio de 68.

A 24ª Mostra também está exibindo dois filmes de outro suíço, duas obras de ficção - Jonas Que Terá 25 Anos no Ano 2000 e sua seqüência, Jonas e Lila, até amanhã, de Alain Tanner. Dindo refere-se a Tanner como companheiro de utopia. É outro remanescente de Maio de 68, mas Dindo acha que Tanner está tendo mais dificuldade para conciliar seus atuais projetos com os anseios da juventude. "Anda meio perdido", diz. Ele segue seu caminho. Volta à Suíça e inicia a rodagem de um filme sobre uma terrorista dos anos 70 que foi presa e preferiu se matar a denunciar os companheiros. É um tema tabu. "Já tentei entrevistar diversas pessoas, juízes, políticos e ninguém quer falar; mas é um tema forte e pretendo ir adiante; é mais uma tentativa minha de recriar um passado sobre o qual quase não existem imagens." (Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)

 

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