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Elas são figuras emblemáticas da 24ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo. Duas atrizes portuguesas e uma também diretora. Leonor Silveira está no júri - e, fora do contexto da Mostra, no belíssimo Inquietude, de Manoel de Oliveira, que estreou ontem na cidade. Maria de Medeiros dirige e interpreta Capitães de Abril, que integra a lista de preferidos do público e, como tal, estará em cartaz no fim de semana. Como ocorre todos os anos, a Mostra, que terminou oficialmente ontem à noite, com o anúncio do vencedor do troféu Bandeira Paulista, para diretores estreantes (até o terceiro filme), exibe de hoje a domingo os melhores, no voto do público. É a repescagem da Mostra, a chance para quem quiser (re)ver alguns dos melhores filmes do evento. Alguns, mas não todos. As Coisas Simples da Vida, do diretor de Taiwan Edward Yang, está de fora da programação desses três dias. Não obteve votos suficientes do público. Nem por isso deixa de ser um dos mais belos filmes da 24ª Mostra. Dos selecionados (e reprogramados), destacam-se Os Cem Passos, de Marco Tulio Giordana, que foi o preferido do público - o diretor está na cidade, veio especialmente para receber seu prêmio, na noite de ontem -, Tempo de Embebedar Cavalos, de Bahman Ghobadi, Uma Relação Pornográfica, de Frédéric Fonteyne, O Jantar, de Ettore Scola, O Grande Animal, de Jerzy Stuhr (que será substituído por Uma Semana na Vida de um Homem, do mesmo diretor), A Fuga das Galinhas, de Peter Lord e Nick Park, Lista de Espera, de Juan Carlos Tabío, Coisas Que Você Pode Dizer apenas Olhando para Ela, de Rodrigo García Márquez, Eureka, de Shinji Aoyama, Amores Perros, de Alejandro González Iñarritu, que também venceu o prêmio da crítica, Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-wai, Paul Está Morto, de Hendrik Hangloeten, Pão e Tulipas, de Silvio Soldini, e o citado Capitães de Abril. Também serão reexibidos Um Sonho de Rose - Dez anos depois, de Tetê Moraes (melhor documentário brasileiro), O Lixo e a Fúria, de Julien Temple (melhor documentário estrangeiro) e os melhores em tecnologia digital - Entrevista com Fellini: Um Auto-Retrato Revelador, de Paquito Del Bosco, Angelitos, de Humberto Santana, e Dolce, de Alexander Sokurov. Apesar do voto do público, não são tão bons Antes do Anoitecer, de Julian Schnabel, e Princesa, de Henrique Goldman. E Billy Elliot, de Stephen Daldry, embora charmoso, é água com açúcar demais. Não deixa de ser uma escolha um tanto surpreendente do público da Mostra. Presença feminina - O Estado reuniu Leonor Silveira e Maria de Medeiros para um bate-papo na tarde de terça-feira. Uma maneira de ressaltar a riquíssima participação da mulher nesta Mostra. Houve bons filmes por elas dirigidos (Capitães de Abril, O Quadro-Negro, de Samira Makhmalbaf, e principalmente Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky). Houve outros filmes, igualmente bons, a elas dedicados ou que desenvolveram uma temática feminista (O Círculo, Coisas Que Você Pode Dizer apenas Olhando para Ela e Nenhum Lugar para Ir, de Oskar Roeler, outro título que faltou na relação de melhores do público - é muito, muito bom). Reunidas no Hotel Blue Tree, onde se hospedam, Leonor e Maria revelaram admiração mútua. Leonor reconhece em Maria a atriz que melhor representa Portugal em todo o mundo. "Não é cumprimento, é constatação, ponto e passemos a nova linha." Maria, que trabalhou com Manoel de Oliveira em um só filme (A Divina Comédia), não poupou elogios à colega, que já fez Party (o seu preferido), Vale Abraão, Inquietude, A Carta e Palavra e Utopia com o mestre português. "Manoel já me fez interpretar todos os papéis - prostituta, dona de casa, freira; acho que, para ele, represento as várias faces da mulher, que é tudo isso ao mesmo tempo", diz Leonor. Maria observa - "Ele exige demais dos atores; se me pedisse eu voltaria a trabalhar com ele, pois o admiro muito, claro; mas não posso deixar de exaltar a persistência de Leonor, fazendo tantos filmes com Manoel." Conhecem-se desde garotas, no liceu. Nenhuma das duas queria ser atriz. Não era sonho delas desde `miúdas'. Leonor parece surpresa com a afirmação de Maria. "Pensei que fosse um projeto de vida teu." Maria responde - "Queria fazer belas-artes, mas João César Monteiro me convenceu; fiz um filme com ele e continuei." O que a levou a ser também diretora, lançando-se no projeto de Capitães de Abril? "Nesses anos todos fazendo filmes aprendi que só interpretar não me bastava; dirigir é uma tarefa complexa, que engloba tudo, até as belas-artes que eu queria fazer." Leonor não consegue se imaginar seguindo uma carreira de diretora. "Tem a ver com responsabilidade, com capacidade; não me considero capaz e admiro Maria por isso." Como atriz, ela se compara a uma formiguinha preta no set. Acha que sua participação é pequena e, de certa forma, mais cômoda. Mas, às vezes, também incomoda ser essa formiguinha insignificante. Maria, após a extenuante experiência de ser diretora, adorou voltar a ser a formiguinha preta. Tirar o peso da responsabilidade das costas é um alívio, o que não quer dizer que ela não vá fazer outro filme (ou outros filmes) como diretora. Atualmente, tem trabalhado só como atriz. Fez um filme na Itália com Maurizio Nichetti, experiência que define como maravilhosa ("Tive de aprender a falar italiano para dizer meus diálogos; mas nunca tive problemas com a língua; comunicava-me bastante bem com Stefano" - refere-se a Stefano Acorza, protagonista de Capitães de Abril). Também acaba de fazer o novo filme de Teresa Villaverde, chamado Água e Sal. É seu terceiro filme com ela, após Mutantes e Três Irmãos. Considera-a uma grande diretora. Teresa ama a música popular brasileira. Dedicou Três Irmãos a Chico Buarque de Holanda e agora convenceu o próprio Chico a fazer uma participação em seu novo filme. Maria e ele não chegam a contracenar. "O Chico ficou só dois dias no set; é uma participação pequena, mas fundamental, já que tudo gira em torno do personagem que ele interpreta." Ambas adoram o Brasil. Maria, sempre que pode, vem ao País. É a segunda visita de Leonor, que já esteve no Nordeste, conhecendo as praias, "belíssimas". Leonor considera-se fã da MPB. Cita Chico, menos pela temática feminista das letras do que pela riqueza das harmonias, o que motiva um comentário de Maria. "A montagem, para mim, é uma atividade muito musical." Mas Leonor também gosta de Bebel Gilberto. Maria volta a Chico - "Acho que o fato de gostarmos tanto dele tem a ver com a geração de nossos pais, uma música mais engajada, de protesto." Como é a relação com Oliveira? "Não nos freqüentamos, mas nos encontramos de vez em quando", diz Leonor. O importante é que não há hiatos nesses encontros que se repetem principalmente no set. "Retomamos as conversas exatamente do mesmo ponto, não há descontinuidade." Maria experimenta a mesma sensação com Quentin Tarantino, com quem fez Tempo de Violência (Pulp Fiction). O cinema é uma grande família para elas.
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