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É tão difícil falar mal do longa Rosatigre, de Tonino de Bernardi, quanto gostar dele. É um filme desconfortável, com presunções vanguardistas, que vai ao extremo do experimental, com metaforizações profundas, viscerais, sobre os balanços de opostos que regem a vida da sociedade italiana. Ao mesmo tempo, conquista pela ousadia, seu afrontamento erótico, e sua sinceridade criativa. Talvez seja o filme esteticamente mais autoral entre todos presentes na 24.ª Mostra Internacional de São Paulo. Seu diretor descobriu, com ele, a tecnologia digital. E por meio dela, uma de suas melhores aplicações: a personalidade estética. Rosatigre conta a história de Antonello (interpretado por Filippo Timi, que acompanha Bernardi em sua viagem à São Paulo), um jovem buscando entender as oposições do mundo onde vive, além das oposições de seu próprio interior: o dia e a noite, a masculinidade e a femininidade, o urbano e o rural. Assim, o filme circula sobre essas esferas: Antonello se joga à prostituição em Turim, no norte da Itália, travestido com o pseudônimo Rosatigre. Seu amigo e amante secreto, Sasá, tenta levá-lo de volta à Nápoles, mas Antonello insiste em continuar na prostituição. Dentro de uma narrativa totalmente fragmentada, peculiar aos trabalhos de Bernardi (como Apaixonadas, que esteve na 23.ª Mostra), na qual é impossível acompanhar a história linearmente, o que torna o filme pouco digerível. "Gosto muito de trabalhar com esse tipo de oposição. Quero que as pessoas parem para refletir até que ponto podem conviver e se odiar", justifica Bernardi. Com a câmera digital ele consegue, pela primeira vez, obter as conseqüências dessas oposições em sua tela fisicamente. "A câmera digital não é o melhor meio de se captar grandes planos, bem abertos, mas é o melhor para você ganhar intimidade com o ator, e filmar em primeiro plano, ver o objeto bem próximo, explodindo na tela". "O resultado é muito sensível e o material, bastante físico", diz Timi, que também tem se aprimorado na direção, e já realizou um curta digital de 20 minutos, chamado Atomique. Essa proximidade é bastante evidente nas cenas em que Rosatigre dança no seu quarto só, e entra num êxtase solitário. "Aquilo é culpa de Bernardi que me pressionou ao máximo para fazer aquelas cenas bem reais. Hoje eu olho aquilo e não acredito que sou eu!", brinca o ator. Polifonia paulista - Para Bernardi, a autoria dentro do cinema digital é muito dependente do poder econômico de cada produção. "Se um diretor realiza um filme com orçamento inferior, e recusa usar várias câmeras ou iluminação extra - porque essas coisas são desnecessárias em cinema digital - haverá quem não apoie o projeto porque ele está fugindo do cinema clássico", opina. Dentro dessa lógica, ele diz que há diretores que se submetem a esse sistema e perdem a autoria da obra. "E se você tenta fugir desse corrente, eles começam a fazer algo contra isso". Eles? "A indústria de cinema", completa. Por isso também desconfia da verdadeira acessibilidade do cinema digital. "Não há porquê você fazer bons filmes em tecnologia digital se não houver quem dê espaço para exibir", diz o diretor. Mas Bernardi não tem medo dessa "censura". Pois é inegável, segundo ele, o quanto essa tecnologia torna mais fácil a filmagem, seja porque é possível filmar com qualquer grau de luz, seja porque seu manuseio é muito mais simples. "Não adianta recusar essa facilidade, como tenta fazer a mulher de Bertolucci", exemplifica Bernardi. Ele refere-se à diretora Clare Peploe, que está produzindo seu último filme, The Triumph of Love, com Mira Sorvino no papel principal, todo em tecnologia digital. Ele vai estender sua estadia em São Paulo para rodar um filme aqui em câmera numérica. Pretende obter tomadas diferentes e improvisar situações com atores de verdade em meio à urbanidade da cidade. "Quero retratar todas as coisas que acontecem de uma vez só nessa cidade", sugere. Provisoriamente batizado de São Paulo Polifônica, Bernardi é amigo antigo de São Paulo, que visita pela terceira vez - já esteve aqui na 19.ª Mostra e também ano passado. Fez amizades nas outras visitas, a quem recorre agora para ajudá-lo com seu filme. O diretor Carlos Reichenbach, também entusiasta do cinema digital, é um deles. Para ajudar Bernardi na roteirização e condução do filme, o brasileiro indicou Daniel Chaia, que atualmente trabalha no roteiro do longa digital Empédocle, O Deus das Sandálias de Bronze, que Reichenbach deve rodar ano que vem. Para atuar em seu filme, Bernardi está em contato com Betty Faria, que conheceu o diretor após ver Apaixonadas e elogiar o seu trabalho. "Quero fazer mais trabalhos com cinema no Brasil, e isto, em São Paulo, é o início", conclui.
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