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Sérgio Lerrer faz filme com a cara dos jovens de SP



Beverly Hills, um bar na esquina da Rua Jurucê com a Alameda Guaramumis, em Moema. Uma tarde de agitação incomum. O bar está sendo usado como locação pelo cineasta Sérgio D. Lerrer, que grava cenas do seu filme De Cara Limpa. A gravação terminou em outra locação de São Paulo, um estúdio de rádio. Lerrer depois só teve de fazer algumas cenas adicionais com o conjunto musical Folhas.

O filme foi gravado, sim. Lerrer usou tecnologia de ponta - uma câmera de vídeo digital. De Cara Limpa ainda nem ficou pronto e já faz história no cinema brasileiro. Lerrer traz para a tela a cara da juventude paulistana, não a dos jovens endinheirados dos Jardins, mas a dos rapazes e moças da periferia. Espera ter feito um filme que consiga se comunicar com as platéias. O tema é atraente, a proposta é, mais do que válida, muito interessante, mas o que faz de De Cara Limpa um filme fora de série no atual contexto brasileiro são as próprias condições de sua produção.

Lerrer veio do Rio Grande do Sul. Está radicado em São Paulo desde o fim dos anos 80. Autodidata, de 41 anos, começou com o cinema em 1975, integrando um grupo que ultrapassou as fronteiras de Porto Alegre. O Grupo de Cinema Humberto Mauro surgiu quando o movimento cineclubístico ainda era forte no País. Era um cineclube e um grupo de produção. Promovia exibições nos fins de semana, exclusivamente de filmes brasileiros, e também produzia curtas na bitola de super oito. Nunca menos de dois por mês, às vezes três, quatro e até cinco.

Especialidade - Mais tarde Lerrer passou a produzir médias e longas, também em super oito. Emigrou para a bitola de 35 mm, primeiro em curtas, depois em longas que ajudaram a colocar o Rio Grande no mapa do cinema nacional nos anos 80. Verdes Anos, Me Beija e Aqueles Dois começaram a chamar a atenção para o cinema produzido pelos jovens gaúchos.

Nenhum deles é um filme "de" Sérgio Lerrer, mas em todos ele participou - com Giba Assis Brasil e Carlos Gerbase em Verdes Anos, com Werner Schünemann em Me Beija, com Sérgio Amon em Aqueles Dois. Filmes de baixo orçamento, mas criativos e voltados à discussão dos problemas dos jovens.

Desde aquela época, Lerrer tem uma certeza. "Se a especialidade do Mazzaropi eram os personagens caipiras, a minha são os personagens adolescentes." A prova estava no set de De Cara Limpa, naquela tarde de meio de semana, no bar em Moema. Muita gente jovem e bonita. Os protagonistas são o VJ da MTV Marcos Mion e Bruna Thedy, filha do diretor. Mas também é importante a participação de Barbara Paz, a loira que faz "Carolina". A personagem quer ser modelo. Enquanto espera sua chance, trabalha como recepcionista num espaço esotérico. Barbara, de 25 anos, é estreante em cinema, mas tem currículo. Pode ser vista, atualmente, no programa de Tom Cavalcanti, o Megatom. E também está no clipe em que os Titãs satirizam os comerciais da marca Bom Bril, com direito a participação do garoto-propaganda Carlos Moreno. Mas Barbara não gosta do clipe: acha-o "vulgar". Prefere ser identificada como a apresentadora do Al Dente, da MTV, ou como a atriz que já trabalhou no teatro com Antunes Filho e com os Parlapatões. Diz que não foi difícil fazer a Carolina: "Tenho experiência como modelo, tem coisas em que me identifico com ela, embora a Carolina não seja a Barbara."

Crônica cômica - "De Cara Limpa é um filme sobre jovens", define Lerrer. "Mas não é um filme de modismo teen nem de juventude descolada." Ele prefere defini-lo como um flagrante - "uma crônica cômica de um grupo de jovens que cresceram juntos, são amigos e até solidários, mas quando chega a hora de entrar na vida competitiva passam a apresentar suas diferenças na forma de encarar a vida." E Lerrer prossegue: "A verdade é que o adolescente de hoje desde cedo é educado para vencer, para dar certo financeiramente." Ele acha que isso cria um adicional de pressão, tanto maior porque os valores válidos são, em geral, aqueles consagrados pelos meios de elite e os bem-sucedidos. Quis expressar na tela o conflito dos jovens da classe média baixa. Nem a classe alta nem a juventude carente. O drama de quem vive num mundo que cultiva a celebridade e no qual as pessoas precisam ser alguém. "Quem não é alguém é ninguém", diz o diretor.

Na abordagem do tema, Lerrer orientou seu elenco jovem para ser o mais espontâneo e natural possível. Filmou pouco, quase sempre dois por um, duas tomadas de cada cena, não mais. E permitiu-se algumas ousadias: o filme terá cenas de sexo explícito, com uma atriz do ramo, terá cenas no banheiro.

Antes que alguém o acuse de vulgaridade, Lerrer lembra que Wim Wenders, num de seus primeiros filmes, também mostrou o personagem fazendo suas necessidades. Mas ele acha que seria desviar o foco do que é realmente importante, prendendo-se a esses detalhes.

Parceria - Para Verdes Anos, Lerrer escolheu como material um conto do jornalista Luís Fernando Emediato. Vem dessa época a amizade entre os dois. Emediato, que hoje possui a Geração Editorial, é parceiro do diretor em De Cara Limpa. Num momento em que o cinema brasileiro passa o pires buscando aliados na iniciativa privada, Lerrer e Emediato resolveram prescindir das leis de incentivo, especialmente da Lei do Audiovisual. E estão bancando a produção de US$ 130 mil com recursos próprios, deles e com o aporte do produtor Moracy Duval, que já patrocinou alguns filmes do cantor e compositor Sérgio Reis. Duval, proprietário da Intermovies, ajudou a viabilizar a produção comprando, antecipadamente, os direitos para o vídeo.

"Hoje, o cinema brasileiro depende das leis de incentivo", avalia Lerrer, para quem o problema é o seguinte: "O dinheiro provém de um círculo minúsculo de grandes empresas, que optaram por privilegiar os projetos seguros." Ele cita "adaptações literárias reconhecidas, apelos culturais conservadores, artistas da TV Globo, enredos politicamente corretos, temas que não sejam polêmicos, uma estética artesanal correta, com aparência publicitária de preferência". De Cara Limpa quer romper com tudo isso. Se der certo, poderá tornar-se um marco. Vale a aposta.

Definindo-se como "um romântico", Lerrer acredita que o retorno do dinheiro investido na produção deve vir do faturamento do filme nas bilheterias. E diz que deve ser gasto um valor compatível com o mercado brasileiro, que, no momento, tem uma média de público muito fraca para o produto nacional. Em busca de uma alternativa diferenciada para o seu cinema, ele talvez aposte menos no Dogma e mais na Bruxa de Blair. "Afinal, o Dogma é um manifesto dos dinamarqueses e o nosso filme não tem essa pretensão." Optaram por isso, Emediato e ele, pelo processo de captação da imagem em vídeo Beta Digital, de alta resolução, com edição em equipamentos de última geração (já usados em comerciais de ponta), com posterior transcrição para película. Será a primeira vez que um longa é feito dessa maneira no País. Lerrer calcula que gastará US$ 50 mil na transcrição, quase um terço do total.

Dependendo da aceitação, De Cara Limpa poderá ser o primeiro de uma série de pequenos filmes voltados para o mercado. Lerrer acrescenta que mantém bom relacionamento com os circuitos distribuidor e exibidor. "Nossa proposta (dele e de Emediato) não é experimental nem underground; nossos objetivos de resultados vão buscar um espaço em salas de cinema além do circuito de arte." Para finalizar, ele diz: "Já estamos negociando com distribuidores e exibidores e temos encontrado boa receptividade." (Luiz Carlos Merten (Agência Estado))

 

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