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"A História de Adele H" chega em nova cópia aos cinemas


Isabelle Adjani como a
filha de Victor Hugo

Ele já foi definido como o diretor que amava as mulheres, o romântico que desconfiava do romantismo. Tudo isso é verdadeiro, posto que se trata de François Truffaut, o mais querido dos autores revelados pela extinta nouvelle vague. Jean-Luc Godard pode ter sido mais revolucionário, Jacques Demy, em certos momentos, foi mais lírico, mas Truffaut inspirava carinho, talvez por sua infância carente, que o marcou para sempre. Morreu precocemente, em 1984, aos 52 anos. Quando morreu, não estava numa grande fase. Nunca será demais dizer que o casamento com Fanny Ardant pode ter sido benéfico para o homem Truffaut, que encontrou a felicidade em seus últimos anos, mas não para o artista. Basta comparar A Mulher do Lado ou De Repente, num Domingo com A História de Adele H, que volta nesta sexta (24) ao cartaz, em cópia nova.

Mais uma reestréia de Truffaut e a oportunidade rara para que espectadores jovens, que só conhecem o filme da TV (passou outro dia no Eurochannel), o (re)vejam agora na tela ampla e larga do cinema. A cada um seu Truffaut. Há críticos que gostam de Os Incompreendidos, outros preferem Jules e Jim - Uma Mulher para Dois. A essa seleta lista dos grandes filmes de Truffaut pode-se (e até deve-se) acrescentar Adele H.

Foi o filme que impôs uma jovem que virou mito, Isabelle Adjani. O curioso é que Truffaut, que fazia filmes para dormir com suas atrizes - como disse Patrice Leconte -, não teve nenhum grande caso com a bela Isabelle. Talvez por causa do caráter incestuoso do próprio tema, uma jovem fixada na figura paterna. Truffaut deve ter achado que não ficava bem para ele, um homem mais velho, envolver-se com a menininha que havia escolhido para o elenco.

Pense em Jules e Jim, em As Duas Inglesas e o Amor, por sinal, duas adaptações de Henri-Pierre Roché, escritor que Truffaut venerava. Dois homens para uma mulher, duas mulheres para um homem. As crispações amorosas sempre atraíram Truffaut. Em muitos de seus filmes o tema não está ligado à figura do casal. São triângulos, quadriláteros e até o caso singular de uma mulher que experimenta a vertigem do amor sem, em última análise, querer nenhum tipo de contato com o objeto de sua fixação amorosa. É Adele H. Nada mais de acordo com uma idéia de Truffaut, que dizia que o casal não é uma noção satisfatória, embora ele mesmo fizesse a ressalva de que, em nossa sociedade, não há outra solução.

Filha caçula de Victor Hugo, Adele apaixona-se por um hussardo, a quem segue até o fim do mundo. Ama-o intensamente, deseja-o, mas não quer nenhum contato com ele. Um prato cheio para os psicanalistas, que podem arriscar 1.001 interpretações sobre a fixação de Adele no pai, sobre o fundo esquizofrênico de seu comportamento. Só que ela não interessa ao autor como caso clínico - o que a personagem de Catherine Deneuve, para só citar um exemplo, foi para Roman Polanski em Repulsa ao Sexo. O que atrai, aqui, Truffaut é a particularidade de história de amor de um só personagem.

O amor vira entropia em A História de Adele H. Depois de histórias de amores mal correspondidos ou tardiamente correspondidos, Truffaut arrisca tudo para contar a história da caçada amorosa, verdadeira perseguição que Adele move a esse homem que recusa seus sentimentos, que aparece pouco em cena, que é medíocre - uma chave: a oposição ao pai famoso - e cuja figura jamais parece justificar os arroubos da protagonista. Literalmente, Adele vive seu amor até a loucura - e, na realidade, sabe-se que Victor Hugo internou a filha num instituto psiquiátrico, onde ela viveu reclusa, até morrer, em 1915, aos 85 anos.

Adele faz uma opção radical pelo isolamento. Age como uma náufraga que se recusa a ser resgatada. É um papel difícil e intenso, que Isabelle Adjani cria em total sintonia com a personagem. Ela ficou tão marcada pela busca do absoluto de Adele que criou outras personagens parecidas, valendo citar Camille Claudel, a irmã do escritor Paul Claudel, que também enlouqueceu de amor pelo escultor Auguste Rodin. Por ambas, concorreu ao Oscar da Academia de Hollywood, uma das raras atrizes não americanas indicadas mais de uma vez para o cobiçado prêmio. Tanto Adele quanto Camille quiseram escapar à sua condição de mulheres do século 19, criando arte e, principalmente, vivendo vidas impensáveis para as pessoas de seu sexo naquela época.

O que há de comum entre os dois filmes termina aí. O de Truffaut é melhor que o do ex-marido de Isabelle, o fotógrafo Bruno Nuytten (que assina Camille Claudel). Não por acaso, A História de Adele H é quase unanimemente considerado um dos melhores filmes do seu diretor. Ganhou o Grande Prêmio do Cinema Francês e o de melhor filme estrangeiro da Associação Nacional de Críticos, dos EUA. O próprio Truffaut gostava de definir Adele H como "uma composição musical para um só instrumento" - sendo esse instrumento o rosto e o corpo de Isabelle Adjani, dos quais ele se apossa para tornar convincente, na tela, o vórtice da paixão que consome a protagonista desse filme propositalmente sombrio, triste, mas nunca menos do que apaixonante. (Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)

 

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