É o momento de tensão em Tempo de Embebedar Cavalos. Em meio a uma nevasca, retirantes iranianos tentam ultrapassar a fronteira para o Iraque. Há crianças no grupo, inclusive a garota que vai se casar no novo país para pagar a operação do irmão excepcional. Mas logo vêm os tiros. Os viajantes mal conseguem fugir. Seus cavalos estão embriagados. É o que explica o título. Para suportar o frio, os animais recebem uma bebida alcoólica. Ficam fracos e tombam. É um destino cruel para os habitantes do Curdistão, onde o diretor Bahman Ghobadi colheu sua história.A região é conflituosa para o Irã, o que se reflete na preocupação dos cineastas. Ali, Abbas Kiarostami filmou O Vento nos Levará. Ghobadi foi seu ator e assistente. Estréia agora na direção. Também Samira Makhmalbaf fez do lugar o cenário para o seu perturbador O Quadro Negro. Mais uma vez, Ghobadi estava presente num dos papéis principais. Miséria, fome e desolação estão nos filmes. Há coincidência nos temas de Tempo de Embebedar e na obra de Samira. Mesmo de cenas, quando os imigrantes retratados por ela recebem a mesma acolhida na fronteira iraquiana. A diferença é que o árido substitui as montanhas geladas.
Já se pode saudar esse como um novo segmento da cinematografia iraniana, embora o vínculo com o neo-realismo ainda permaneça. São estreantes engajados com os problemas do país. Pagam um preço por isso. Seus filmes abandonam a poesia, as cores e tradições lendárias que tanto maravilharam os olhos do mundo.
O filme de Ghobadi inverte esse universo ao grau máximo. Não há um instante de alívio, de descontração. Além do cenário inóspito, o drama do garoto deficiente que teve seu crescimento interrompido leva o espectador a testemunhar um sofrimento sem fim, uma tragédia que raramente é assunto de cinema. O rigor, no entanto, parece ter repercutido.
O diretor foi premiado com o Camera D’Or, o prêmio do Festival de Cannes dedicado a novos diretores e seu filme foi o escolhido pelo Irã para representar o país no Oscar. Ghobadi esteve na última Mostra Internacional de São Paulo e participou de um debate. Lembrou o quanto sua geração deve a Kiarostami e como o público de seu país ainda desconhece esse cinema. No Irã, há censura para imagens tão impactantes como as que ele realizou. Até como peça de resistência e transformação, Tempo de Embebedar Cavalos precisa ser visto.