David Lynch está assumindo um grande risco ao levar a Cannes seu estranho filme em clima de sonho, Mulholland Drive, rejeitado para ser seriado de TV e que ainda não encontrou distribuidor nos EUA. O homem que criou a lendária saga de TV Twin Peaks e recebeu a Palma de Ouro de Cannes em 1990 por Coração Selvagem é uma figura cult, mas seu último trabalho deixou a platéia em Cannes profundamente perplexa.
O diretor deu poucas pistas que ajudem na compreensão do filme. Acho que as pessoas compreendem meu filme, sim, mas o compreendem com a intuição, não com o intelecto, disse Lynch à reportagem na quarta-feira.
"Existem abstrações na vida que as pessoas sentem - elas sabem o que está acontecendo, mas não conseguem colocar em palavras. O que eu fiz foi algo desse tipo", acrescentou.
Em Mulholland Drive, que começa com um desastre de carro, a candidata a "starlet" Betty ajuda a morena Rita, que sofre de amnésia, a reencontrar sua verdadeira identidade, e as duas acabam se apaixonando.
Esse é o fio da meada central, mas outros trechos de histórias desconexas surgem durante todo o filme, que acaba se dividindo numa confusão cada vez mais absurda de tramas distintas.
Originalmente, Lynch fez Mulholland Drive para a ABC para ser um seriado de TV. A ABC financiou a produção, mas ficou horrorizada ao ver o piloto de 2,5 horas entregue por Lynch - cerca de 90 minutos acima do previsto.
A ABC desistiu do seriado e o entregou ao francês StudioCanal, que deu a Lynch o dinheiro necessário para formatá-lo como filme.
David Lynch ficou conhecido com o assustador Eraserhead, de 1976, e conquistou sucesso crítico e de bilheteria com os filmes comerciais Duna e O Homem Elefante.
Em 1986, ele descreveu uma curva de 180 graus com o espantoso e perverso suspense Veludo Azul, que foi um enorme sucesso de público.
Retornando a Cannes pela terceira vez em 1999, Lynch lançou The Straight Story, a crônica simples e bela da viagem de um idoso num cortador de grama para visitar seu irmão, que mora em outro Estado.