La stanza del figlio, do italiano Nanni Moretti, já um êxito de bilheteria e de crítica em seu país, obteve unânimes aplausos esta quinta-feira em Cannes, e não seria surpresa se ganhasse a Palma de Ouro do festival, decididamente dominado pelo tema da morte.Os outros dois filmes apresentados esta quinta-feira em competição abordam também esse tema, uma constante na seleção oficial deste ano. Taurus do russo Alexandre Sokurov mostra um Lenin moribundo que oscila entre a lucidez e a perda da razão, e Ni nei pien chi tien do taiuanês Tsai Ming-Liang se constrói também a partir de um luto.
Em La stanza del figlio, Moretti abandona o tom autobiográfico de suas obras anteriores Caro Diario e Aprile para descrever a dor e o desajuste produzido pela morte de um filho.
O próprio Moretti e a atriz Laura Morante fazem os principais personagens. Com uma narrativa linear e clássica, Moretti instala o espectador na vida feliz de uma família comum de classe média numa cidade do norte da Itália. O pai é psicanalista, a mãe trabalha em uma editora, os dois filhos adolescentes --um rapaz e uma menina -- estudam e praticam esportes. A vida transcorre sem sobressaltos. Até a morte acidental do filho.
O diretor italiano descreve com austeridade e com um imenso pudor a dor indescritível, a impossibilidade da aceitação da morte, o sofrimento interno de cada um, a crise na qual o luto do filho mergulha o casal e o lento emergir para a resignação, para a vida que continua.
Segundo filme em competição esta quinta-feira, Taurus de Alexander Sokurov narra os últimos dias da vida de Lenin. O líder da revolução bolchevique, o homem que mudou o curso da história russa morre aos poucos. Moribundo, semiparalisado, passa de momentos de grande lucidez à demência, e sabe que suas faculdades mentais o vão abandonando inexoravelmente. Teme isto mais do que a morte, que sabe próxima.
Instalado em uma mansão isolada, Lenin vive vigiado pela polícia política e isolado do mundo exterior, acompanhado apenas pelo afeto de sua esposa Nadejda Krupskaya e de sua irmã Maria Ulianova. Bem perto, Stalin consolida seu poder.
Esse Lenin inspira uma imensa piedade. Leonid Mozgovoi é um ator de surpreendente versatilidade que encarna aqui Lenin com a mesma eficácia com a qual interpretou Hitler no precedente filme de Sokurov, Moloch, premiado por seu roteiro em Cannes em 1999.
O filme desencadeou uma polêmica ao ser apresentado na Rússia, onde alguns acusaram Sokurov de querer dessacralizar Lenin, outros de mostrá-lo muito humano. O diretor responde que se limitou a mostrar que Lenin era finalmente um ser humano que teve de fazer um balanço moral de sua vida ao se aproximar a morte.
De fato, além da figura histórica de Lenin, o filme do cineasta russo é o doloroso retrato, feito com grande agudez e grande humanidade, de um homem perante a morte.
Finalmente, terceiro filme em competição, o taiuanês Ni nei pien chi tien de Tsai Ming-liang começa também com a morte de um homem e com a dor de sua mulher e seu filho, que optam por se isolar do mundo.
O rapaz, vendedor de relógios em Taipé, se relaciona com uma jovem que está indo para a França, e na sua partida põe obsessivamente todos os relógios na hora de Paris, como tentando estender uma ponte entre duas solidões.
O filme é uma homenagem ao cinema francês, e em particular ao diretor François Truffaut, que coincide com a comemoração dos 50 anos da revista Les Cahiers du Cinéma, da qual surgiram as grandes figuras da Nouvelle Vague.